segunda-feira, 28 de abril de 2014

Maria Rita desvenda o mistério do samba em show de voz e 'swingueira'

Blog Notas Musicais 



Resenha de show
Título: Coração a batucar
Artista: Maria Rita (em foto de Rodrigo Amaral)
Local: Fundição Progresso (Rio de Janeiro, RJ)
Data: 27 de abril de 2014
Cotação: * * * * 1/2


O recém-lançado disco Coração a batucar (Universal Music, 2014) já mostrou que o samba dela é bom, sim, senhor. Mas é no palco que o coração de Maria Rita batuca com coesão, no (com)passo de um samba que já é seu. Assim como o álbum Samba meu (Warner Music, 2007) cresceu no show, o CD Coração a batucar - já em si superior ao primeiro álbum de samba da cantora paulistana - bate ainda mais forte em cena, como ficou claro na estreia oficial do showCoração a batucar no Rio de Janeiro (RJ). Desde o momento em que entrou no palco, já aos primeiros minutos do domingo 27 de abril de 2014, até a volta para o segundo bis - dado com a reprise do empolgante samba que abre o show, É corpo, é alma, é religião (Arlindo Cruz, Rogê e Arlindo Neto, 2014) - Maria Rita provou que desvendou o mistério do samba em show valorizado pela swingueira de sua banda e pela segurança da cantora. Uma grande cantora, diga-se, capaz de se equilibrar com maestria nas quebradas de sambas sinuosos como No meio do salão (Magnu Souza, Maurílio de Oliveira e Everson Pessoa, 2014) e Ladeira da preguiça(Gilberto Gil, 1973), referência sutil no roteiro a Elis Regina (1945 - 1982), inevitavelmente evocada no número anterior quando Maria Rita canta Mainha me ensinou (Arlindo Cruz, Xande de Pilares e Gilson Bernini, 2014). Diferentemente do show Samba meu, que abarcava músicas de outros ritmos, o roteiro do show Coração a batucar é formado inteiramente por sambas, entrelaçando as músicas do disco de 2007 com as do álbum de 2014. Só que os sucessos deSamba meu são remodelados na swingueira da banda formada por Alberto Continentino (no baixo), André Siqueira (na percussão), Davi Moraes (na guitarra), Marcelinho Moreira (na percussão), Ranieri Oliveira (nos teclados) e Wallace Santos (bateria). O baticum dos pagodes cariocas se faz ouvir com mais precisão no bis feliz, quando Maria Rita canta Do fundo do nosso quintal (Jorge Aragão e Alberto Souza, 1987) - samba inédito em sua voz - e repõe na avenidacom empolgação O homem falou (Gonzaguinha, 1985), pérola pescada para o repertório do CD Samba meu. Contudo, no quintal da cantora, o suingue do samba vem por vezes dos teclados de Ranieri Oliveira, motes dos arranjos de Maltratar não é direito (Arlindo Cruz e Franco, 2007) e de Abre o peito e chora (Serginho Meriti, Rodrigo Leite e Cauíque, 2014), para citar somente dois números em que os teclados sobressaem no show. E é com esse samba seu que a cantora faz um show animado, vibrante, que eletrizou o público que encheu as pistas, arquibancadas e camarotes da Fundição Progresso. Além da absoluta segurança vocal (e, nesse sentido, Maria Rita é bem filha de quem é), a cantora tem carisma, samba no pé e uma vivaz presença cênica. O que faz com que público e artista caiam juntos no samba, sobretudo em temas infalíveis como Cara valente (Marcelo Camelo, 2003), uma lembrança coerente de um primeiro (estupendo) álbum gravado em tom mais senhoril, voltado para a MPB. É fato que Maria Rita rejuvenesceu ao cair no samba em 2007. Seu canto ganhou definitivamente a leveza já esboçada no álbum Segundo (2005). Mas, senhora cantora, ela também encara temas pesados como Comportamento geral (Gonzaguinha, 1973), ruminando amarguras e ironias usadas pelo compositor Luiz Gonzaga do Nascimento Jr. (1945 - 1991) para mandar seu recado para censores e repressores da ditadura que amordaçava o Brasil nos anos 1970. Do memorável Gonzaguinha, aliás, Maria Rita também canta E vamos à luta (1980), o samba encorajador que a cantora não pôde concluir em seu show na quinta edição carioca do festival Rock in Rio, em setembro de 2013, por conta de problemas técnicos. Sem clonar a interpretação de Alcione, intérprete original do samba que batizou álbum lançado pela Marrom em 1980, Maria Rita divide E vamos à luta a seu modo. E é com esse seu jeito próprio de cantar samba - sem se escorar nas cantoras que são referências do gênero - que Maria Rita faz crescer em cena até os sambas menos inspirados do CD Coração a batucar. No show, Bola pra frente (Xande de Pilares e Gilson Bernini, 2014) rola redondo, com jogadas rítmicas de tom jazzy que fazem toda a diferença. Golaço da banda e da cantora antenada, que arremessam Fogo no paiol (Rodrigo Maranhão, 2010) com mais calor do que no disco. Sempre jogando para a galera, Maria Rita destila fina ironia em Saco cheio (Dona Fia e Marcos Antônio, 1981) e faz Maria do Socorro(Edu Krieger, 2007) subir o morro com caras, bocas e rebolados que valorizam o maroto samba, já em si muito bom. Mais para o fim, Coração em desalinho (Mauro Diniz e Ratinho, 1986) bate irresistível, reiterando a força da geração de sambistas projetados nos quintais cariocas anos 1980. Aliás, o que acrescentar sobre a nobreza do samba de Arlindo Cruz, coautor de belezas como Rumo ao infinito (Arlindo Cruz, Marcelinho Moreira e Fred Camacho, 2014)? Os três sambas de Cruz no CD Coração a batucar ratificam a inspiração melódica desse compositor que parece ter nascido sabendo mistério do samba. O mistério que Maria Rita já desvenda, encontrando maneira de sobreviver no mundo da música e fazendo seu público feliz. Em cena, seu coração batuca e incendeia o povo bamba do Brasil.

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