12/11/09 - Estadão
São significativas as ligações de Ed Motta com Rita Lee. Dois maiores sucessos recentes dançantes do cantor foram Fora da Lei e Colombina, ambas compostas em parceria com a ex-mutante e cantadas por ele num tributo a ela na semana passada. No novo álbum, Piquenique (Trama), que tem lançamento previsto para o dia 20, a dupla retoma a parceria na faixa Nefertite. As demais são de Motta com sua mulher, Edna Lopes. Curiosamente, o título do CD de Motta coincide com o da turnê comemorativa dos 40 anos de carreira de Rita, realizada em 2008 - só muda a grafia: Picnic.
A Turma da Pilantragem
Motta se surpreende com a coincidência: "Agora achei mais interessante ainda, porque quando eu e Edna começamos a fazer as canções, por pura brincadeira, o tempo inteiro quem era citado como nossa referência era Rita e Roberto (de Carvalho)", conta Motta. "Tanto que até uma das letras falavam dos dois, mas aí a gente achou demais. Sabendo agora dessa história do Picnic foi maravilhoso porque fecha completamente o círculo de influência da Rita. É um disco Ritaleelish", brinca.
Não só no quesito dançante, essas influências aparecem nas letras da faixa-título, de A Turma da Pilantragem (em que Motta divide os vocais com Maria Rita), como ele próprio reconhece, "no humor do texto, na maneira de brincar com as palavras". Pé na Jaca, que tem participação do ex-mutante Liminha tocando baixo elétrico, é outra que tem essas características. Rita, porém, não é a única referência dançante do álbum. Há muito de soul, funk, disco music setentista, que vem de toda uma escola de música negra americana. Desde 1999 - quando gravou As Segundas Intenções do Manual Prático - Motta não realizava um álbum com apelo tão pop, alegre e dançante.
Canções como Mensalidade - que já estava na rede disponível para download - grudam à primeira audição. O resultado dessa, digamos, acessibilidade popular já pôde ser testado ao vivo, em shows como o que reuniu 3 mil pessoas em Santo André há duas semanas. A Turma da Pilantragem, com uma levada de shuffle, remete imediatamente à memória de Wilson Simonal, que com a biografia revisada em filme e livro, voltou a ser ouvido e comentado. Mas Motta diz que a intenção da canção é mais abrangente, "pensando em Nonato Buzar, Carlos Imperial, Regininha e, claro, Simonal como um dos membros dessa história". "É um Chris Montez em barricas de carvalho brasileiro", define o cantor, bem-humorado. "O lance todo da pilantragem era em cima de Chris Montez, com aquelas palminhas, um Burt Bacharach mais estilizado."
Na contramão da história do fim do CD, da veiculação de música avulsa, com Piquenique Motta se junta a vários compositores que lançaram ótimos álbuns em 2009 em torno de um conceito, uma boa ideia. "Estou sempre compondo coisas absolutamente diferentes. Numa mesma semana posso fazer uma valsa e um tema com uma cara pop, radiofônica. Ao longo do tempo sempre venho guardando os temas na gaveta, para ver a hora certa de colocá-los todos juntos. Comecei a fazer as maquetes pensando no novo disco, e vi que as músicas que estava com mais vontade de trabalhar e que tinha uma quantidade boa, apontava para essa direção." Tendo isso na mão, aí entra o lado de produtor de Motta, "que é absolutamente pragmático". "Claro que eu pensei que o disco tivesse uma formatação soul-funk do início ao fim."
Músico de talentos múltiplos, Motta, que assina a produção do CD, com colaboração de Silvera e Marileo, usou nas gravações diversos tipos de teclados tradicionais e virtuais. Também tocou piano, baixo, guitarra, violão, percussão, fez programação de bateria, criou efeitos e até utilizou um mellotron virtual em Compromisso, que tem participação de Kassin na guitarra sitar. "Não deixei de usar os instrumentos analógicos, eles estão todos aí misturados. Mas pela primeira vez, por influência do Silvera, passei a usar instrumentos virtuais. Ele me mostrou uma série de sons programados. Algumas coisas não têm o timbre tão legal, como clavinet, mas os strings estão fazendo muito bem", aprova o exigente Motta.
Dos músicos que tocam no CD têm maior participação Robinho Tavares (Baixo elétrico) e Renato Fonseca (teclados). Motta diz que não busca uma acuracidade "plástica" na sonoridade de seus discos, mas "a perfeição em cima do mundo acústico". Progamações e efeitos são usados "com parcimônia", o que não se vê muito hoje com os deslumbrados por tecnologia.
O que conta não é apenas ser verdadeiro. "Às vezes a pessoa pode ter verdade, mas não musicalidade." E apesar de gostar mais de ouvir discos do que ver shows, na hora de pisar no palco, tem de haver entrega. "Há uma visceralidade diferente do disco, tem até um editorial jazzístico de leve." O CD deve ganhar edição em vinil - e o show em São Paulo não tem data prevista.
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