terça-feira, 1 de setembro de 2009

Resumo poético

CD traz versões em português para standards americanos

01/09/09 - Zero Hora

Quando, em 1999, preparava os versos de Canções, Versões – álbum em que trazia para o nosso idioma temas clássicos dos compositores americanos George e Ira Gershwin e Cole Porter –, o letrista Carlos Rennó fez as seguintes contas: são necessárias, em média, 17 sílabas em português para traduzir um texto que, em inglês, consome apenas 10. Quase o dobro.

Uma década depois, Rennó volta a lidar com essa equação. Nego traz suas versões para standards americanos compostos por judeus: Richard Rodgers e Lorenz Hart, Irving Berlin, Harold Arlen, Jerome Kern e Oscar Hammerstein e, de novo, os irmãos Gershwin.

Sobre arranjos de Jaques Morelenbaum, as novas letras são apresentadas nas vozes de Gal Costa, Moreno Veloso, João Bosco, Elba Ramalho e Dominguinhos, entre outros. Verter da língua de Shakespeare para a de Camões também é (as contas de Rennó comprovam) resumir. E, se levarmos em conta que poesia já é uma forma sintética de linguagem, uma versão bem feita de uma grande letra de música pode ser considerada a síntese da síntese, a poesia da poesia.

Com um número generoso de achados poéticos, é isso que Rennó consegue em muitos dos mais de 60 minutos de Nego. O encarte bilíngue confronta as duas letras, a original e sua respectiva versão, para quem quiser se divertir pescando cada um deles enquanto o disco toca.

Exemplos disso. Em Mais Além do Arco-Íris, versão para Over the Rainbow (Harold Arlen e Ira Gershwin) trazida com doçura pela voz de Zélia Duncan, a longa frase “Where troubles melt like lemon drops’’ encolhe para “Problemas viram picolé’’.

Encantada, letra em português para Bewitched, Bothered and Bewildered (Rodgers e Hart) – que aqui ganha interpretação especialmente sexy de Maria Rita –, troca os versos “I’ve seen a lot / I mean a lot / But now I’m like sweet seventeen a lot’’ pelos curtinhos “Vi demais / Vivi demais / Mas hoje eu já adolesci demais’’.

Mas todo caráter cerebral desse preciosismo técnico desaparece – e isso é outra qualidade do trabalho – quando as letras ganham corpo na voz dos cantores. Especialmente na dos cantores-compositores.

Erasmo Carlos, por exemplo, põe para fora em Verão (Summertime) sua veia blueseira em registro vocal ultracool, quente e aveludado, como fez poucas vezes antes daqui. Ou Seu Jorge, que nunca cantou tão bem na vida quanto em Estranha Fruta (Strange Fruit), em que dobra a voz em um grave profundo (para ele) e um agudo em falsete.

Surpresas como essas, que escapam a qualquer técnica, tornam Nego ainda mais saboroso. Mesmo para quem não está nem aí para rimas, métricas, aliterações...

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