segunda-feira, 6 de abril de 2009

Mulheres derrubam barreiras históricas do samba

05/04/09 - Estadão

O universo do samba - como o do jazz, o do rock e da música em geral - foi e ainda é domínio dos homens. Rígidas regras sociais e preconceitos históricos (incluindo o racismo) certamente pesaram mais do que a questão da capacidade criativa. Vide a biografia da pioneira Chiquinha Gonzaga. Depois Maysa e Dolores Duran, ícones do samba-canção nos anos 50, e Joyce e Rosinha de Valença nos anos 60. Até o surgimento delas, as mulheres eram porta-vozes de ideias do ponto de vista masculino nas canções.

O samba teve muitas dessas grandes cantoras - Carmen Miranda, Aracy de Almeida, Marília Batista, Elizeth Cardoso, Linda Batista - associadas à obra essencial de autores como Dorival Caymmi, Ary Barroso, Noel Rosa, Assis Valente. Mas, mesmo não compondo, as mulheres têm papel fundamental no desenvolvimento do samba. Basta lembrar que foi na casa da baiana Tia Ciata, quando se mudou para o Rio no início do século 20, que tudo começou. Décadas depois, Dona Zica e Tia Surica, entre outras, honraram seu exemplo nas escolas de samba.

Diamante negro bruto, Clementina de Jesus exorcizou no canto comovente séculos de opressão e sofrimento de seus antepassados. Cristina Buarque é uma enciclopédia no assunto e tem no currículo serviços de valor inestimável prestados ao samba, como pesquisadora e intérprete. Contemporânea da mineira Clara Nunes, a deusa dos orixás, Beth Carvalho é considerada a "madrinha do samba", incansável descobridora de talentos e tesouros esquecidos. Com outro tipo de abordagem, mas igual paixão e respeito, Marisa Monte mergulhou na história da Velha Guarda da Portela, produzindo discos, shows e até um documentário.

Musa da bossa nova, Nara Leão deu as costas para a ensolarada zona sul carioca e subiu o morro para trazer para o asfalto compositores geniais como Cartola, Elton Medeiros, Nelson Cavaquinho, Zé Ketti e outros no início da carreira. Ao mesmo tempo, Elis Regina, intérprete de grande vocação sambista, firmou-se profissionalmente com o LP Samba Eu Canto Assim, paralelamente à dupla com Jair Rodrigues.

Como ela, Maria Bethânia não é exclusivamente sambista, mas tem força no gênero. Entre outros feitos, trouxe Noel Rosa para novas gerações e valoriza a obra de seus conterrâneos Batatinha e Roberto Mendes. Outras grandes intérpretes, Doris Monteiro, Elza Soares, Baby Consuelo, Alcione, Gal Costa, Simone, Marcia, Maria Alcina, Leila Pinheiro têm suas particularidades em relação ao samba, com gravações e participações antológicas.

Vale lembrar que foi com o famoso dueto de Gal com Bethânia em Sonho Meu que a primeira-dama do samba Dona Ivone Lara se tornou conhecida. Pioneira compositora do gênero, ela também sentiu o preconceito na/da pele quando começou. Não era apenas mais uma cantora, como as centenas que brotam no Brasil. Como ela, Gisa Nogueira e Jovelina Pérola Negra, outras reveladas tardiamente, enfrentaram barreiras semelhantes. Leci Brandão, apontada por Ivone como sua sucessora, foi mais ousada ao despontar cantando o amor "entre iguais" em Ombro Amigo.

O samba hoje tem na linha de frente "cantautoras" como Mart?nália e Teresa Cristina, grupos femininos como Samba de Rainha e Roda de Saia, que proliferam no Rio e em São Paulo, além de várias cantoras.

Do berço baiano, um século após ecoarem no Sudeste os primeiros batuques, surge Mariene de Castro, grande defensora da cultura popular e adepta do candomblé, não por acaso comparada a Clara Nunes. Fabiana Cozza, outra força magnética dos anos 2000, é sua correspondente em São Paulo. Juliana Amaral, Roberta Sá, Maria Rita, Mônica Feijó e até Zélia Duncan também estão na lista das que colocam sangue novo e feminino no samba. A hegemonia masculina, enfim, balança.

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