Achei essa resenha belíssima do Alberto Dias sobre o primeiro show da MR no Canecão, em 15/09/2003.
O brilho de uma estrela
Por Alberto Villas
21/09/2003
Olá, como vai? Eu vou indo, e você? Tudo bem? Tudo bem, eu vou indo! Rio de Janeiro, segunda-feira, 15 de setembro, nove horas da noite. Uma garoa paulistana dá um brilho especial ao asfalto colorido de uma esquina de Ipanema, onde estou. O táxi chega, eu entro. No primeiro sinal, o motorista, que não conheço, reclama. Ele reclama do ônibus que quase raspou na sua porta esquerda, arrancando o retrovisor. A segunda reclamação veio no sinal seguinte. O rádio anunciava chuva para a terça-feira e o motorista estava disposto a sustentar o mau-humor até o final da corrida, bem em frente ao Rio-Sul.
Ao lado, na calçada do Canecão, cambistas liquidavam ingressos a R$ 120, R$ 150. Com o meu no bolso, fui caminhando com dificuldade até a porta de entrada, me escondendo da chuva e carregando dentro do coração toda a expectativa para aquele primeiro show em casa grande.
Não ouvira o disco, a não ser parte da Festa mostrada no Fantástico. Já sentado na mesa 706, fiquei observando o movimento das pessoas que chegavam, acho que tão emocionadas quanto eu. E foi enchendo, enchendo, enchendo, até transbordar. Garçonetes passavam aflitas com bandejas repletas de apetitosos pasteizinhos de palmito e mini-quibes que não posso mais comer. Mas levavam também comidinhas japonesas simpáticas e permitidas.
Dez horas e nada de show que estava marcado para começar nove e meia. Dez e dez, aplausos para o palco vazio. Dez e quinze, ela aparece. Um pouco tímida, uma timidez paulistana, ligeiramente nervosa. Caras e bocas. Ela está com os pés descalços, uma blusa preta e uma saia rodada. A saia é preta, cinza-chumbo, verde-musgo, amarelo-ouro e vinho. Seguramente uma saia da moda bolada por algum estilista do momento. Linda a saia! Os cabelos teimam em cair na testa.
Assim começa o show. Uma música, duas, três. Agora só falta você: "Um belo dia resolvi mudar/E fazer tudo o que eu queria fazer/Me libertei daquela vida vulgar/Que eu estava levando junto a você". Na época em que ela nasceu, já havia Rita Lee e os Novos Baianos já passeavam na sua garoa. Alguém na platéia dá um grito: "Linda!". Ela responde na lata: "Você diz isso para todas!". Risos. E o espetáculo continua, com pitadas de espanhol. Duas gardênias para ti! Ela então apresenta um novo compositor da praça. Na verdade nem tão desconhecido assim. Marcelo Camelo, um hermano. Belas canções. "Veja bem meu bem/sinto lhe informar/que arranjei alguém/pra me confortar."
A emoção vai tomando conta de corações e mentes. A cantora chora ao lembrar de uma canção, uma espécie de conversa com a mãe. E chora de novo por estar ali, nua e crua naquele palco daquela casa grande, pela primeira vez sozinha. "Os últimos dias têm sido muito fortes pra mim". E esse espetáculo, caríssima, também tem sido muito forte pra todos nós aqui sentados saboreando uma comidinha japonesa.
Sem intervalos, ela vai costurando canções, cada uma mais contundente que a outra. Chove lá fora, uma Santa Chuva: "Vai chover, de novo/Eu vi na TV/Que o povo já se cansou/De tanto o céu desabar/E pede a um santo daqui/Que reza a ajuda de Deus/Mas nada pode fazer". Ela agradece e chora de novo. Num pedacinho de papel branco fica sabendo que Milton Nascimento está na platéia. Onde? Onde? Refletores acesos. Localizado. Ele fica de pé, mineiramente agradece. Ela então manda notícias do mundo de lá, diz quem fica, me dá um abraço, vem me apertar. Encontros e Despedidas. Milton não sobe no palco, deixando a expectativa para mais tarde, no ar. "Mexo, remexo na inquisição/Se alguém já morreu na fogueira/Sabe o que é ser carvão". Rita Lee, numa parceira com Zélia Duncan, toma conta do lugar. "Afinal nem toda bruxa é corcunda, nem todo Brasil é bunda", debocha.
Ela vai assim até o fim. Todos nós, aplaudindo de pé, choramos juntos durante cinco minutos. Uns escondidos, outros não. Saí dali levitando, entrei num táxi e peguei o túnel. O rádio seguramente não tocava Chega de Saudade porque essas coisas não tocam no rádio. No dia seguinte acordei com a sensação de ter assistido a um momento histórico da música popular brasileira. O primeiro show de Maria Rita numa casa grande. Maria Rita! Não se trata de um falso brilhante.
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