terça-feira, 23 de outubro de 2012

"A música deve almejar a mesma receita publicitária do futebol"

Meio & Mensagem - Sapo de fora

João Marcello Bôscoli fala sobre as oportunidades para a publicidade, comenta os avanços digitais do mercado e afirma que a tecnologia tem de servir à música e não o contrário.


João Marcello Bôscoli
Crédito: Arthur Nobre

Por Raissa Coppola

Filho de Elis Regina e Ronaldo Bôscoli, João Marcello Bôscoli tem a música correndo nas veias. Diferentemente da irmã, a cantora Maria Rita, optou pelos bastidores do negócio musical e criou a gravadora Trama, em 1998. O executivo fala sobre as oportunidades para a publicidade, comenta os avanços digitais do mercado e afirma que a tecnologia tem de servir à música e não o contrário.

Meio & Mensagem ›› O Estúdio Trama é o primeiro canal de livestreaming diário de música do YouTube. São duas horas diárias, cinco vezes por semana. Como surgiu este projeto?

João Marcello Bôscoli ›› Nasceu de um comportamento do usuário. Há alguns anos, os artistas entram em estúdio e trazem seus computadores e webcams. O primeiro que eu vi fazendo isso foi o Sepultura. Conversei com o meu sócio André Szajman e nós viabilizamos o negócio. Compramos câmeras, ilha de edição e começamos a fazer. Nós sempre tivemos um bom relacionamento com os executivos do YouTube Brasil e de fora. Fomos o primeiro canal de música brasileira deles e somos o parceiro que mais sobe vídeos por mês. Eles gostaram da ideia e abrimos o canal em versão beta. Neste ano, virou uma parceria mesmo. Transmitir diariamente música ao vivo pela internet é algo novo que as pessoas estão conhecendo e gostando.

M&M ›› O Estúdio Trama é patrocinado por grandes marcas. Você acredita que as empresas já dão o devido valor para este tipo de iniciativa?

Bôscoli ›› A informação que tenho é que mais de 60% dos vídeos assistidos no YouTube têm alguma relação com música. Tem sido bacana a receptividade das agências e marcas, que são muito abertas a essas iniciativas. O próprio modelo de música, sobretudo gratuita, há muitos anos é viabilizado pelas marcas. Antes de a televisão existir, o rádio começou com esse modelo. É algo que dá para crescer, se você comparar o quanto os brasileiros gostam de música e o quanto gostam de futebol, por exemplo. Se visualizar o quanto o futebol fatura com publicidade e quanto a música fatura, você percebe o quanto dá para crescer. A receita que o futebol gera na publicidade é altíssima e é algo que a música deve almejar. Porque eu conheço algumas pessoas que não gostam de futebol, mas não conheço quem não goste de música.

M&M ›› Quais outros espaços você vê para a música dentro da publicidade?

Bôscoli ›› Primeiro é preciso dizer que a relação das pessoas com música é puramente emocional. Existe uma altíssima audiência de música na internet e, se as marcas estão convivendo com as pessoas nessa rede, acho que elas podem viabilizar esta audição. É simples. A música é uma paixão humana e o Brasil é o segundo país no mundo que mais escuta música local. As marcas devem patrocinar música. Temos rádios virtuais, canais de música na internet, discos de artistas que podem ser fomentados para download gratuito. É um modelo relativamente estabelecido, mas pode crescer. Na sua rede social, você pode dar música para as pessoas que estão lá. Ela pode ter um corte editorial, de acordo com o seu produto ou serviço, ou o patrocínio pode ser simplesmente para o ato de ouvi-la. O papel dos patrocinadores é muito interessante neste sentido. Fazer um projeto como foi o Nivea Viva Elis é um jeito diferenciado de envolver música e publicidade.

M&M ›› A Trama foi criada há 14 anos. Neste período, qual o balanço que você pode fazer sobre o seu negócio e o mercado em geral?

Bôscoli ›› Muita gente disse que a indústria fonográfica ia acabar e é claro que não acabou. Somente se modificou. Nós da Trama sempre tivemos um jeito multidisciplinar de olhar a música. Desde 1999, fazemos programa de TV, temos a editora, o agenciamento de artistas e o Trama Virtual, que foi criado intuitivamente. Partimos de um problema: eu tinha muitas demos, mas não era possível ouvi-las. Conversei com meu sócio e criamos uma vitrine virtual. O MySpace ainda não existia, por exemplo. Hoje temos 78 mil bandas, 200 mil músicas. O grande negócio da Trama é ver para onde a música vai. O fato de eu estar no estúdio o tempo todo e de recebermos mais de 300 artistas em um ano nos faz ficar o tempo todo monitorando para onde nós devemos ir.

M&M ›› No site da Trama Virtual existe um manifesto que diz que a tecnologia existe para servir a música e não o contrário. Com todos os avanços, como preservar a essência original e criativa da música?

Bôscoli ›› Acho que a tecnologia tem de servir à música. Se em determinado momento o Tim Berners-Lee criou o www e eu posso ouvir minhas músicas e enviar minhas canções online, a internet vira um instrumento. Não dá para inverter esse processo. Os meios estão aí para a música se manifestar. Você não cria uma câmera para depois captar uma vida. Você tem a vida e cria uma câmera para captá-la. Tenho uma visão antropocentrista da música. A tecnologia tem de servi-la e também ao ser humano.

M&M ›› O Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição, responsável pela arrecadação e distribuição dos direitos autorais das músicas aos autores) e as leis de incentivo são dois pontos polêmicos do mercado cultural como um todo. Qual é a sua opinião sobre estes temas?

Bôscoli ›› No caso da lei de incentivo, não conhecia muito, mas acho que, se a iniciativa for gerida de maneira correta, é razoável que 4% do Imposto de Renda sejam investidos em cultura. Onde a empresa vai investir é o problema. Essa talvez possa ser a discussão, mas a existência da lei é muito válida como ferramenta. Já o Ecad surgiu numa época para organizar o meio campo da música. E deveria facilitar a vida, mas é extremamente polêmico. Pode e deve melhorar, reformular-se. Os escritórios de arrecadação existem no mundo inteiro; é preciso tê-los. Precisamos melhorar a maneira de remunerar. Talvez, no futuro, os próprios artistas possam receber diretamente, gerir seus negócios. O Ecad foi criado há 40 anos e o mundo mudou muito neste período.

M&M ›› Você citou a ação Nivea Viva Elis, que marca 30 anos da morte de sua mãe, como um case que mostra uma maneira diferente de unir publicidade e música. Quais são os próximos passos para este projeto?

Bôscoli ›› A exposição está no Rio de Janeiro e vai passar por Belo Horizonte, Recife e temos pedidos de outros Estados. Existem pedidos para que volte a São Paulo e seja encerrada aqui. A exposição foi concebida para ser itinerante. A Maria Rita fez cinco shows e quis parar, mas não conseguiu. A turnê continua e ela gravou um DVD que deve ser lançado no final do ano.

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