sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Julian Conde o “Anjo da Guarda” da Maria Rita.

31de agosto de 2012.

Fala Fil Entrevista, Música

Fala Fil conversou com Julian Conde, Diretor Técnico e Diretor de palco da cantora Maria Rita. Julian já trabalhou em diversos projetos e com grandes artistas, tais como: Titãs, Charlie Brown Jr, Rolling Stones, Seal, Red Hot Chilli Peppers, BB King, Ray Charles, Oscar Peterson, Faith no More, Ana Carolina entre outros. Além disso, Julian trabalhou diretamente com o serviço secreto do governo dos Estados Unidos para a visita do Ex-Presidente George Bush ao Brasil.

Abaixo a entrevista que Julian concedeu com exclusividade ao Fala Fil.

Você trabalha com a Maria Rita, uma das maiores Cantoras nacionais. Como você chegou lá?

Quando comecei a trabalhar com ela, já estava no mercado há quase 12 anos.
Comecei trabalhando com gravações ao vivo de shows para CDs , TV e DVD , fui Roadie de algumas bandas, além de direção de palco em grandes festivais, como: Skol Beats, Nokia Trends, Carlton Arts, Claro que é Rock, entre outros, assim como outras atividades sempre ligadas ao mundo dos shows.
A equipe dela na época tinha amigos em comum comigo e eles precisavam de um Roadie bilíngue para atender uma turnê pelos Estados Unidos, e chegaram até a mim, que mesmo não sendo mais Roadie na época, não pude desprezar a oportunidade, e acabou sendo a melhor decisão que tomei.
Meu primeiro show com ela foi em Nova Iorque, em maio de 2006. É um trabalho que condiz muito com meu perfil profissional, onde tenho liberdade para tentar melhorar sempre e também acesso a equipamentos e equipe de primeira linha.


Como é para você trabalhar com a Maria Rita?

Pra mim é como diz a frase “Quem faz o que gosta nunca precisa trabalhar na vida“ e com isso, posso dizer que é um grande prazer e satisfação poder realizar um trabalho bem feito, sendo ela muito exigente, mas que reconhece os esforços e dedicação da equipe.
É uma grande responsabilidade por ela ser uma grande artista, mas que como disse antes, nos dá liberdade e tem confiança na equipe.
Ela é uma profissional muito exigente, mas com entendimento e participação em todas as decisões e problemas relevantes ao show. É um orgulho servir a alguém como ela, não pela fama, mas pelo profissionalismo, talento e acessibilidade.

Especificamente, qual é sua responsabilidade como Diretor Técnico?

Minha responsabilidade é cuidar de todos os aspectos técnicos do show. Desde a pré-produção que inclui análise dos locais, visitas técnicas, enviar e adaptar riders técnicos, relacionamento com fornecedores, contratantes e produtores locais.
Cuido também da equipe técnica, onde tenho que me certificar que cada um deles tem condições para realizar seu trabalho, se o técnico de som está com o equipamento em ordem, se o técnico de luz recebeu o que pediu e por aí vai.
Também sou responsável pelo cronograma, com o objetivo de adaptar nosso tempo de montagem a cada show.
Nosso maior objetivo é manter o padrão de qualidade em cada show, seja em um palco de bar ou no festival de Montreux. A Artista desenvolveu o show para ter aquele visual, aquele resultado e devemos sempre trabalhar para alcançar o objetivo.
Minha responsabilidade se estende diretamente à artista e suas necessidades, cuido pessoalmente da Maria Rita durante os shows. Um gesto, um olhar e já dá pra saber o que ela quer, se algo está errado, se o ar condicionado está muito forte, e assim por diante.
Por isso devemos estar sempre atentos a qualquer movimento. Inclui também logística de equipamentos, carga, descarga, planejamento aéreo, planejamento internacional para carga e tudo que envolve o show dentro e fora do Brasil.
Depois de trabalhar em um evento corporativo com o Ex-Presidente Americano George W. Bush há alguns anos e diretamente com o serviço secreto americano, pude ver semelhanças nos métodos de trabalho da nossa equipe, com o maior sistema de proteção pessoal do mundo. A atenção nunca é quebrada, temos um tipo de “visão túnel” na hora do show em que só o que acontece ali é importante.
Não há espaço para brincadeiras, distrações, café, telefone… Nada. Nos posicionamos (Roadies , Eu e Segurança) de uma maneira que temos visão de todo o palco , público e músicos. Nada está fora do nosso ângulo de visão, e isso faz com que possamos responder mais rápido a um imprevisto, seja ele um ruído de sinal no piano, aos presentes de fãs jogados no palco.
A comunicação entre a equipe durante o show é constante, seja por rádio ou gestos familiares. Uso ferramentas pessoais (lanternas , alicates , canivetes) de trabalho que são para fins militares e isso reflete meu método de trabalho , meu compromisso com o palco. Não posso depender de uma lanterna que não acenderá quando preciso, nem de um sistema de som mal calibrado.

A Maria Rita é um dos grandes nomes, senão a maior Artista, surgida nos últimos anos na música popular brasileira. Qual a participação e responsabilidade da Equipe nesse sucesso?

A participação da equipe é sempre manter o padrão de qualidade desejado por ela. Ela deve ter o menor número de preocupações possível para poder dar atenção total a cantar e lidar com o público. Nossa responsabilidade é recriar em cada palco, o ambiente em que ela está familiarizada, para que ela se sinta confortável e tecnicamente para dar tudo de si. Tudo tem que estar como planejado e mesmo assim precisamos ter um plano B.
Temos 2 Microfones, 2 sistemas de “in ear”, 2 sistemas de caixas , temos redundância em tudo que diz respeito a parte musical e técnica. Temos teclado que pode substituir o piano, temos baixo reserva, guitarra reserva, tudo em dobro.

Grandes Artistas podem não alcançar o sucesso em razão de uma má equipe?

Eu vejo da seguinte maneira, se a equipe é relaxada, ruim de trabalho, arrogante, isso é um reflexo do artista com o qual eles trabalham. Na nossa equipe o compromisso é 100% e a atenção total. Uma equipe ruim ou displicente reflete diretamente no resultado do show, com falhas, problemas técnicos, e isso é resultado de uma banda ou artista que não é exigente. Na nossa equipe temos cuidado com absolutamente tudo, desde acabamento do cenário até a sinalização com fitas coloridas de escadas, acessos e desníveis que possam ter no palco.

A responsabilidade aumenta sabendo que além de enorme talento, Maria Rita é filha de Elis Regina e Cesar Camargo Mariano?

A responsabilidade é a mesma. Temos que nos dedicar totalmente, e isso independe de quem está no palco.

Ela tem um legado, uma história bem consolidada e isso não é diferente por ter parentesco com outra grande artista. Nosso foco é a Maria Rita, suas exigências e necessidades. A responsabilidade maior é atender sempre a confiança que a artista tem no nosso trabalho, a qualidade do show que ela vai fazer depende da equipe.



Como é entender e satisfazer as necessidades e exigências de uma Cantora, Músicos e ainda atender as expectativas do Público?

Isso acontece nessa mesma ordem, primeiro ela, depois os músicos e depois o público.
Fazemos tudo que é possível para dar conforto a ela, músicos e entregar o show como deve ser , sem problemas , menor número de imprevistos possível.
Algumas vezes temos que sacrificar um pouco os músicos, por exemplo, apertando o espaço deles quando o palco é pequeno , para que ela possa ter um mínimo de espaço para se apresentar.
As vezes precisamos comprometer um pouco a visão do público e puxar toda a banda e artista mais pro fundo do palco por conta de chuva, ou de estrutura (P.A. deve sempre estar a frente da linha do palco, a linha de frente de luz deve estar sempre um pouco a frente).
Outras vezes temos que prejudicar um pouco a luz e tirar uma torre lateral para podermos fazer um caminho para a artista entrar no palco que esteja desobstruído e livre de riscos de quinas e equipamentos. A linha de “sacrifício” é inversa, começando pela equipe técnica que se desdobra, se vira nos 30 e faz tudo sob qualquer condição para que o público, os músicos e a Artista tenham um conforto técnico maior. Cada show é diferente do outro.

Seu trabalho é desenvolvido em Shows, Estúdio e Programas de TV?

Isso, e, além disso, sou free lancer para Direção técnica de eventos corporativos, que é outro mundo totalmente diferente, onde normalmente não temos bandas, nem musical. É um trabalho muito exigente para clientes corporativos (bancos, grandes marcas e empresas) em que a atenção aos detalhes é muito importante. São dois mundos diferentes, mas que exigem a mesma dedicação, conhecimento técnico e estar preparado para imprevistos, sempre.

Quais as principais diferenças?

As diferenças são que no show, temos todo o “circo” pra armar, enquanto em programas de TV temos que nos adaptar a um espaço reduzido, a um cronograma diferente, não levamos nossos cenários nem nosso Iluminador, e outros vários itens que compõe o show normal.
Em estúdio normalmente para ensaio o clima é mais descontraído, levamos apenas os equipamentos necessários e uma equipe reduzida. Mas tudo com o mesmo propósito que é o conforto técnico da artista e banda.


No Futebol costuma-se dizer que “treino é treino e jogo é jogo”. Seu trabalho é mais intenso antes ou durante cada Show?

O foco durante o show é maior.
Antes do show temos como resolver as coisas com mais calma, achar a melhor solução para um imprevisto. Durante o show não há distrações, tudo se resume ao palco e suas necessidades. Imprevistos devem ser resolvidos na hora, você tem que entrar no palco já com a solução ou o plano B na cabeça e em mãos. Cada segundo conta, e quando alguém da equipe técnica entra no palco durante o show, chama atenção do público e da artista e isso deve ser levado em conta para resolver o problema rapidamente.
Você não deve estar ali. O problema não deve persistir. É como um pit stop de Fórmula 1, temos que resolver problemas no menor tempo possível e trocar o que for preciso para que o show continue. Cada segundo que o problema não se resolve é prejudicial a todos, ao público e a nós mesmos.

Acredito que você tenha diferentes desafios e demandas em razão do grande número de shows sob diferentes condições. Qual a situação mais extrema que você já enfrentou?

Eu brinco dizendo que sei de qual show foi cada cabelo branco que eu tenho!
Não me recordo de um show muito difícil, até porque quero esquecer. Mas as condições de trabalho em lugares remotos no Norte e Nordeste são bem difíceis.



Tecnicamente lidamos com equipamentos de segunda linha, manutenção precária de material (cabos, caixas) e temos que trabalhar em dobro pra manter o padrão de qualidade.
Fizemos um show muito corrido em Londres, que chegamos ao palco as 17:30hs, devido ao atraso no voo, e o show começava pontualmente as 19:00hs. Foi um desafio sem precedentes, já que normalmente levamos entre 9 e 12 horas para montar um show.
Mas deu certo, o público não viu nada de diferente. Muitas vezes os produtores e contratantes locais mentem sobre as condições do palco, sobre tamanho, sobre recursos e acabamos tendo que improvisar quando podemos, ou cancelar o show, ou mudar o local do show de um dia pro outro como já aconteceu.
Esse tipo de coisa é desrespeito ao Artista e a Equipe, e ainda é muito comum, infelizmente.
Condição técnica está diretamente ligada ao dinheiro. Tudo é lucro ou economia. Se custa mais barato um palco 1 metro menor, e o contratante achar que passa batido pra nós, é o que vão fazer. Se o fulano da empresa de som da esquina faz mais barato, ele ganha, e a gente perde.
Isso é tolerado até certo ponto, onde sacrificar a qualidade do show ou a Artista, não é aceitável. Economia tem limite.
Para dar mais segurança a esse tipo de show temos uma parte essencial do equipamento, nosso, que viaja conosco, que sabemos que funciona e podemos depender deles, como monitoração da Artista, microfones mais refinados, instrumentos próprios, cabo, direct boxes próprios, etc.
Meu sonho é viajar com tudo. Fazer como os gringos e trazer 20 ou 30 toneladas de equipamento próprio. E depender o menos possível de terceiros.

Qual a melhor condição que você já encontrou ?

Eu particularmente gosto de trabalhar no exterior, principalmente nos Estados Unidos. Lá eles levam os riders ao pé da letra, e ainda se preocupam com o nosso conforto técnico.
Mas, as melhores condições de trabalho estão aqui, quando fazemos shows em casas boas, em que conhecemos todos, temos amigos e parceiros. Acho que o Citibank Hall em São Paulo, infelizmente extinto, foi a melhor casa que fizemos shows esses anos todos. Grandes amigos, profissionais e equipe fazem com que o trabalho seja “fácil” e isso é um oásis no deserto, coisa rara.
Para dizer um lugar especial, foi no Festival de Montreux, na Suiça. Lá eles têm equipamentos de primeira, apoio de grandes marcas e um legado musical sem precedentes. É um palco muito especial de pisar. Tivemos problemas lá também, e o jeitinho brasileiro sempre impressiona os “gringos” para resolver imprevistos.
No Japão também tivemos ótimas condições de trabalho, eles levam tudo muito a sério e querem ter certeza que você tem tudo que pediu e eles sabem correr atrás dos imprevistos. São Ninjas!

Qual a diferença em trabalhar no Brasil e no Exterior?

A diferença é o ambiente, estamos com um equipamento reduzido, temos mais coisas sendo locada nas praças e a equipe local é desconhecida e fala outra língua.

 

Eles muitas vezes têm regras rígidas as quais não estamos acostumados, como máxima pontualidade, horários de trabalho e sindicatos. É sempre mais puxado, pois lá fora tempo parado é muito dinheiro, então sempre que possível os shows são seguidos dos outros e na Europa, um show a 300 km já é em outro País, outra língua, outro fuso horário, tudo muda.
Dependemos muito também da malha aérea já que o equipamento viaja como carga nos aviões e qualquer atraso, imprevisto ou item extraviado é um grande problema.
Hoje em dia pelo menos não nos preocupamos mais com danos aos equipamentos nessas viagens, porque 80% do nosso equipamento viaja em cases da Pelican, case para fins militares, a prova de choque, água e fogo e o restante em Hard Cases.
Já tivemos um cenário do show que foi parar em outro País que não era o que faríamos show. Outro problema que existe é que não existe a função “carregador”.
Existem pessoas que podem te dar uma força, técnicos de palco, stage hands locais, mas que não são contratados só pra carregar equipamento, e isso acaba dificultando um pouco nosso trabalho. Muitas vezes temos que levar tudo nas costas.

Em razão do grande número de viagens, como você faz para conciliar sua vida pessoal em razão da sua atividade profissional?

É como um bombeiro, sempre pronto pra sair.
Não há como pensar muito em datas como Natal, Réveillon e Aniversário. É difícil planejar viagens, compromissos e até outro trabalho.
Minha prioridade é com a Maria Rita. Meu trabalho vem acima de tudo.
A vida social também fica prejudicada e na verdade ficamos chatos. Eu, por exemplo, não consigo curtir agito em horas de folga…baladas, jantar com música ao vivo e shows estão fora da minha ideia de diversão. Se eu fui como pagante a 10 shows na vida foi muito.
Uma companheira que esteja com um profissional dessa área deve entender coisas que normalmente não são aceitáveis, como ausência constante, horários de sono diferentes, atividades nas horas de folga e dormir o dia todo é a preferida. O fato de lidarmos com público feminino, tem que haver confiança e dedicação ao relacionamento, o que geralmente ocorre quando a companheira compreende tudo isso ou vive uma vida similar.

Qual a música que é a trilha sonora da sua vida?
Trilha eu não tenho nenhuma em especial, cada hora temos uma trilha diferente, mas me marcou muito uma cena no fim do filme “The Hurt Locker”, Guerra ao Terror – Kathryn Bigelow – 2009, quando o personagem principal, técnico em explosivos das Forças Armadas Americanas retorna para casa pra finalmente conhecer seu filho e viver em paz….e ele diz ao filho, recém nascido, que está brincando: “Você ama seus brinquedos, seus pais, seu pijama…mas quer saber de uma coisa? quando crescemos as coisas que amamos não parecem mais tão especiais assim…como seu brinquedo, nos damos conta que é apenas um pedaço de plástico e tinta. Quanto mais velho ficamos menos coisas amamos. E na minha idade é apenas uma ou duas coisas. Pra mim acho que é apenas uma…”, e ele retorna pra guerra pra continuar desarmando bombas.

É um jeito frio de ver a vida, mas reflete o jeito que eu penso sobre meu trabalho , que vem acima de tudo e amo incondicionalmente.

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