segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Produtor de Elis Regina entrevista Maria Rita

Estadão


Cantora falou do novo disco 'Elo', da influência da música negra e do contato com a mãe e a família.




Tempos depois, o produtor que, ao lado de Ronaldo Bôscoli, criou grandes espetáculos para Elis, se rendeu e foi ao Canecão ver que ser era aquele que levava no sangue partículas de um DNA tão poderoso.

Dez anos depois, Luiz Carlos Miele se encontra com Maria Rita para uma entrevista especial a pedido do C2+Música.

Na pauta: um disco novo chamado Elo, a influência da música negra, a família e... Elis Regina.


Há músicas sofisticadas no seu novo disco que parecem não ser para tocarem no rádio e virar sucesso. Sempre teve esse critério de fazer o que gosta e ponto?


Eu impus isso desde o início e tive o Tom Capone (morto em 2004) como produtor, que comprava minhas brigas. Um presidente de companhia lhe disse certa vez que faltava um hit radiofônico em meu trabalho. E ele falou: "Quem está lá dentro do estúdio com o microfone é ela. Eu vou dar um choque para ela cantar isso?". É aquela coisa do saber o que quer e principalmente saber o que não quer.

Seu primeiro passo foi aquele bar da Oscar Freire, em São Paulo, o Supremo Musical, não?


Foi sim.

Sabia que não fui te ver? Disse: 'Não vou porque se ela não for maravilhosa eu vou ficar muito chateado. E se ela for maravilhosa, vou passar mal pra car.... Vou ter um nó na garganta que não vou conseguir'. Na primeira vez que você fez o Canecão, Mário Prioli (dono da casa) me ligou e disse: 'Italiano, vem pra cá que não vou ficar chorando sozinho'. E aí eu fui e nós dois choramos (risos). Mas vamos lá, quanto tempo você ficou fora do Brasil?


Saí com 16 anos e voltei quase que com 24. Morei em Nova York e Nova Jersey.

E ouvia muito jazz por lá?


Muito. Jazz, hip hop, música negra mesmo.

Isso é engraçado. Uma vez seu irmão, o João Marcello, estava em casa e eu botei para ele um vídeo com Michael Jackson e Diana Ross


Ih, aquilo é bom...

Eu não sabia muito de Michael Jackson e ele ficou indignado com isso. Ele tinha 12 ou 13 anos, e dizia: "Como é que você não sabe?


Michael Jackson é o máximo. Aliás, os negros são o máximo! A melhor música do mundo é negra". Aí eu disse: "Mas sua mãe é branca, rapaz". E ele: "Minha mãe é minha mãe, não enche". Você também tem essa visão de brancos e negros na música?Eu fui criada com o meu pai (Cesar Camargo Mariano) falando 'na próxima encarnação eu quero vir negro'. Falamos brincando que a gente é tudo negão lá em casa (risos).


Art Blakey disse para mim, certa vez, sobre a Elis: "Essa menina é uma das dez melhores cantoras brancas do mundo". E eu: "Como é que vocês fazem essa divisão de cantora negra e cantora branca?". E ele: "É porque ela existe. Se você ouvir Peggy Lee ou Barbra Streinsand, vai saber que é branca quando está cantando. Se colocar Diana Washington, vai ver que há diferença”. Você tem ídolos negros?


Miles, Ella, Nat King Cole. Mas ouvia de fascinar, de ficar estudando cada palavra, a colocação, a respiração.

Você não tem músicas com o Cesar Camargo, seu pai, não gravou na Trama, que é do seu irmão João Marcello, e não gravou com o Pedro Mariano, seu outro irmão que é cantor...


E você acabou de escrever A Ovelha Negra da Família (risos).


Não fica faltando o encontro?


Não sei Miele. É complicado, tem os momentos da carreira de cada um, não são dois, são três. É uma matemática complicada.

Se você fosse gravar um Duets, quem chamaria?


Putz, que medo dessa resposta... Ah, chamaria Lenine, Camelo, tio Milton (Nascimento)...

Você estudou música?


Nada.

E quando soube que era afinada?


Não lembro. Há algum momento na infância, na escola, de uma amiga falar "não entendo como é que você consegue cantar tão afinada". E eu: "Não entendo como é que você consegue cantar não afinada" (risos).

Pensou em ir ao Rock in Rio?


Não, primeiro porque estava exausta. Mas tenho curiosidades sim, tenho curiosidade geral, gosto de pop, compro disco da Britney Spears, vejo esses negócios de shows da Katy Perry, até para ver do que eu não gosto, para ter inspiração ou não inspiração, ouço de tudo.

Sertanejo, você ouve?


(Pausa)

Tchan! Pausa!


Pausa dramática! (risos).


Eles fazem grandes shows hoje em dia. São shows com tanta produção que se tirar o cantor fica bom do mesmo jeito.


Não faz diferença (risos).


Às vezes melhora (risos)


Bom, mas gosto de música caipira, um sertanejo mais antigo, tem coisas de que gosto muito.

Qual vai ser a carreira do disco novo, Elo?Esse é um projeto atípico, né?


Na verdade, não há um show de estreia, já estou com esse show há um ano e meio (já que o disco é resultado da temporada de shows em São Paulo). Começo semana que vem com shows em Jundiaí, depois Rio e São Paulo só para novembro.

Você fala de sua timidez, mas algo que não parece no palco é que você seja tímida.


Ali eu sou muito segura do que estou fazendo. Ali quem manda sou eu. Na verdade aprendi a lidar com a timidez por estar recebendo pessoas o tempo todo, então consigo dar uma camuflada. Mas tive alguns encontros de passar vergonha. Um com o Chico Buarque foi vergonhoso.

Por quê?


Comecei a gaguejar, eu não conseguia falar.

Quando foi a primeira vez que você se ouviu no rádio?


Eu estava em casa, meu primeiro disco havia saído. O telefone tocou, eu atendi e era uma chamada errada. Eu disse ‘não tem ninguém com esse nome’, mas ao fundo a pessoa estava me ouvindo no rádio. Era a música Festa. Aí o telefone tocou de novo, eu atendi e a música continuava ao fundo.


Eu não vou perguntar de uma tal de Elis Regina (risos). Isso a incomoda ainda?


Tá vendo? Nunca incomodou, não tenho problema em ser filha da Elis Regina. O que me incomodava é a pressão que colocavam para eu continuar a fazer um trabalho dela. Sou no máximo a herdeira, está no RG. Só isso. Mas me colocarem como substituta. Aí dizem ‘Ah, ela não gosta de ser comparada à mãe’. E depois que eu tive filho, vejo o meu filho, vejo o que ele tem de mim, o que tem do pai dele, vejo o que ele tem dele mesmo. E principalmente eu compreendo a saudade que as pessoas têm da Elis. Eu compreendo de verdade. Eu sinto esta saudade também, de outra forma, mas eu sinto e compreendo o que era a Elis Regina, a cantora, a ativista política, uma mulher incrível.

O que você canta para seu filho Antonio?


Ele pede uma música lá... Mas quando você desligar esse negócio aí eu te conto qual é.

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