quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Maria Rita vence o tabu e fará cinco shows gratuitos com o repertório da mãe, Elis Regina

O Globo
Plantão 24/02 às 08h53
Arnaldo Bloch

RIO - Acabou o tabu. Acabou a maldição. Acabou o suspense. A espera. Madura, consagrada, libertada, Maria Rita já pode ser Elis sem deixar de ser Maria Rita.

Oito anos depois de surgir como furacão no cenário musical enfrentando a bênção e o desafio de ser filha do mito, Maria Rita vai cantar os sucessos da mãe pela primeira vez ao vivo, num show inteiro dedicado a ela, com canções do seu repertório escolhidas pela própria.

Serão cinco apresentações gratuitas e uma exposição itinerante e interativa (também franqueada ao público), que percorrerão Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Recife e Porto Alegre em 2012, quando se completam três décadas da morte da artista que é, para muitos, o cânone maior da canção brasileira, para além da MPB. Com a voz, Maria Rita:

- Nunca foi segredo o meu desejo de cantar canções de minha mãe exclusivamente num momento de homenagem a ela, como fiz ao cantar "Essa mulher" (parceria de Joyce e Ana Terra, gravada por Elis) para a TV Globo. A homenagem se desenhará em 2012, se meu coração aguentar. Meu foco, no momento, é minha carreira - diz Maria Rita, por celular, ocupada com tarefas de mãe, às voltas com o filho na escola.

O projeto, batizado "Redescobrir Elis", terá, além dos shows e da exposição, um site-espelho da obra, um livro e um documentário, num pacote gestado sob a égide da legislação de incentivo do Ministério da Cultura, através da Lei Rouanet.
O músico e produtor João Marcello Bôscoli, irmão de Maria Rita por parte de mãe, e o empresário Branco Gutierrez estão autorizados a captar o montante de R$ 5,8 milhões (R$ 3,1 milhões para a exposição, R$ 2,2 milhões para os shows, R$ 500 mil para documentário e site). Três grandes marcas, uma do setor automotivo, já correram na frente.

- Quando fez 35 anos, dois antes de falecer, minha mãe disse que, se fizesse um testamento, só queria que a gente começasse a lê-lo quando tivesse a idade dela, com mais maturidade. Eu estou com 40 e, a partir de agora, dedicarei minha vida à sua memória. É só o primeiro de uma série de projetos, e não faria sentido se não fosse gratuito, completamente aberto ao público, mas muito caro, em se tratando dos custos de frete da itinerância, de tanto pessoal envolvido, dos direitos das gravadoras. Quando a informação surgiu dias atrás numa nota na (revista) "Veja", isso não ficou claro, se a gente ia cobrar ou não - explica João Marcello, por telefone, surpreso que a notícia tenha vazado tão cedo do "Diário Oficial" para a mídia.

Mas, uma vez vazada, é natural que logo se pergunte: E o disco? E o DVD? As imagens vão ser comercializadas?

- Não estão orçados nem CD, nem vídeo, nem captação. Nem para registro pessoal. A ideia é: quem viu viu. Quem não viu perdeu - provoca.

João Marcello, contudo, deixa claro que as iniciativas não se esgotam nas homenagens.

- A gente não pode negar que existe um culto a Elis. Há várias páginas na internet com para lá de centena de milhares de fãs, compartilhamento de músicas, gadgets etc. Nunca fomos cobrar nada de ninguém. Mas claro que na continuidade vamos ter parceiros firmes, com verbas de marketing, e não se pode excluir a exploração comercial de sua obra, pois sem dinheiro nada se faz. Um jornal precisa de seus anunciantes para pagar quem trabalha. Não podemos negar o culto a ela. Se a família de Elvis pode cuidar da sua marca, por que não a de Elis? - compara João Marcello, fazendo soar, por um momento, na imaginação, um show sob a alcunha Elvis & Elis.

Voltando à realidade: que canções estarão no show? Não se sabe, mas é claro que "Como nossos pais" não vai faltar, provavelmente no bis... Maria Rita nem começou a escolhê-las, pois, no momento, se prepara para assinar contrato com a Universal e gravar seu próximo disco autoral, na esteira do que vem fazendo: interpretar compositores de sua preferência, fazer pesquisa de repertório, ser fiel a seus princípios declarados já em 2003, quando surgiu no cenário musical.

Na época, ela reagiu de forma radical à óbvia obsessão com que os fãs e a mídia a assediavam: mais cedo, mais tarde, ela vai cantar Elis? "Não", respondia. Não se interessava. As pessoas estavam confundindo as coisas.

Também, pudera: nos shows, cantando Marcelo Camelo, Milton Nascimento, Rita Lee, Zélia Duncan, nos ápices da voz, o timbre soava todo Elis, e algo se assemelhava muito também no corpo, nos gestos, nos braços. O público se arrepiava como diante de uma aparição divina. Santa Elis!

A filha ficava amuada. Admitia as semelhanças, mas defendia a sua porção pessoal na obra: "Não sou ela." E citava Holy Cole, a canadense de quem sofrera grande influência na modalidade voz--piano-baixo acústico-bateria. Queria mostrar que fora sua escolha, artística, consciente, ir noutra direção. Agora, crescida, já pode encarnar Elis sem medo, abrangentemente, numa dimensão que transcende a carreira, mas em convergência com o desejo legítimo do público.

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