segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Cantor "Lenine" conquista Brasil

09/08/10 - Jornal de Angola

Lenine, cujo nome de registo é Osvaldo Lenine Macedo Pimentel, aparece na actual vanguarda da Música Popular Brasileira, como figura que, numa linha de continuidade, já faz parte da tradição do melhor violão brasileiro. Compositor de múltiplos recursos poéticos, a sua música vem conquistando expressão internacional, pela inovação e carisma intelectual das suas letras. Nesta entrevista, exclusiva, concedida ao Jornal de Angola, por ocasião da sua presença em Luanda, onde participou no recente "Luanda Internacional Jazz Festival", Lenine falou das influências, da progressão da sua carreira, e da orientação estética da sua música.

Jornal de Angola - Terá herdado da geração tropicalista de Gil e Caetano, os conceitos e a postura estética, e da pós-tropicalista, com Djavan, por exemplo, a plástica das dissonantes no violão?

Lenine -
Acho que tenho no meu DNA musical a presença infinitamente mais marcante dos mineiros do “Clube da Esquina”, do que o tropicalismo de Gil e Caetano. Foi Milton Nascimento e sua produção discográfica que me aproximou realmente da música brasileira. Quanto a Djavan, sim, sempre foi uma grande referência para mim, além de João Bosco, Guinga, Egberto Gismonti, que fazem parte de uma tradição, sublime e vigorosa, do violão brasileiro.

JA - É possível dar um nome à orientação estética da sua música?

L -
Dos adjectivos que já utilizaram para descrever a música que faço, “contemporânea” é o que mais gosto.

JA - Tem regras para compor os textos das suas canções, ou sente-se bem no execício do acaso, da surpresa e do surreal?

L -
No universo da composição não deve existir nenhum tipo de regras. Compor é buscar o belo, a beleza, e esse é um caminho sem regras e amarras. Tudo depende da composição. Pode ser a procura das palavras de uma melodia já composta, ou pode ser a descoberta da melodia oculta numa poesia já existente, por outro lado existem as canções que surgem simultaneamente, letra e música, como se “psicofonadas”. Para criar tem de se ter liberdade.

JA - A guitarra, como é que foi o seu processo de aprendizagem, tem formação musical?

L -
Todo o meu processo foi muito intuitivo. Não houve uma formação académica. Mas uma coisa é certa, ao longo dos anos o violão foi se transformando numa extensão do meu corpo. Minha música passou a ser identificada pelo toque do violão. Sim, é impossível dissociar o que eu faço do violão que eu toco...

JA - Música africana, ouve? Como foi o encontro com o baixista camaronês Richard Bona, no seu CD MTV acústico?

L -
Sou um ser curioso. E adoro ouvir e descobrir outras formas de expressão. A música africana exerce em mim um fascínio enorme, desde o tempo dos “les Ambassador” do Mali a Thomas Mapfumo. Quanto ao Richard Bona é amigo e cúmplice de longa data, gravar com ele foi só prazer.

JA - Está na vanguarda da MPB actual, é um facto inequívoco. Quais terão sido os factores fundamentais desta conquista?

L -
Sinceramente, não tenho a mínima ideia. Acho que foi pelo tipo de hibridismo que a minha música carrega, e pelo fato de sempre ter arriscado novos caminhos, minha trajectória me trouxe aqui...

JA - Diz que gosta de produzir. Como foi a experiência de produção com a Maria Rita, a inconfundível filha da Elis Regina?

L -
O trabalho de produtor foi outro caminho que surgiu sem academismo. Foi fazendo os meus próprios trabalhos que me senti capaz de produzir para os outros. Cada produção difere das outras. Como no caso da composição, não há regras. Produzir “Segundo” da Maria Rita, foi muito bacana, e na época estávamos nos sentindo órfãos com a morte prematura do nosso grande amigo e produtor Tom Capone. Foi um trabalho de grande pesquisa, que nos levou a ouvir mais de quatro mil canções de novos compositores brasileiros, até descobrir o melhor repertório para o disco. Já a produção do “Lonji” do Tcheka, foi completamente diferente do processo do CD da Maria Rita, que por sua vez foi também diferente da produção do CD do Pedro Luis e a Parede. Cada caso é um caso!

JA - Falou do Tcheka, como descobriu a música deste jovem talento da música cabo-verdiana? Sabemos que trabalhou no seu CD "Lonji", o terceiro disco deste compositor...

L -
A França é como uma segunda nação que me acolheu com carinho e interesse. E a França também é hoje um dos maiores centros de consumo de arte planetária que existe. Então foi lá que o conheci, através de amigos comuns, e fui tomando contacto com o trabalho do Tcheka, e aceitei o convite de produzir o “Lonji”. Percebi de imediato as consonâncias das nossas músicas, e foi delicioso todo o processo. Gravamos aqui no Brasil, com músicos brasileiros, e o mais importante foi a confiança do Tcheka em entregar nas minhas mãos as suas composições, para que eu pudesse produzir o CD.

JA - Quais as razões que o levam a considerar o CD, "Olho de Peixe" (1992), um dos mais importantes da sua carreira?

L -
A importância do "Olho de Peixe", para mim, está no fato deste CD nos ter aberto a porta para o mundo, literalmente. Foi com este CD que tive a certeza que poderia viver da música que fazia, daí a importância que dou a ele. Mas os CDs são como filhos, não dá pra dizer que este é mais bonito que aquele, né?

JA - Os aspectos regionais que integra na sua música impediram o seu reconhecimento, mais cedo, na MPB ou a revalorização das culturas locais do Brasil, na sua abordagem musical, ajudaram a consagração e a sua afirmação internacional?

L -
A sua pergunta acaba por ser a minha resposta. Por um lado, no início, a hibridagem que propunha a minha música não encontrou nenhum tipo de eco nos meios de comunicação, foi uma dificuldade só... só dificuldade. O interessante é que ao longo dos anos o que era uma dificuldade passou a ser o grande atractivo do meu trabalho, dentro e fora do Brasil. Foi fundamental para isso acontecer, eu ter sido honesto com o meu prazer de fazer só o que me encantava...

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