domingo, 30 de maio de 2010

'Passageiro' refina obra já perene de Maranhão

29/05/10 - Notas Musicais

Resenha de CD
Título: Passageiro
Artista: Rodrigo Maranhão
Gravadora: MP,B Discos / Universal Music
Cotação: * * * * *


Em 1999, Rodrigo Maranhão se revelou compositor no mercado fonográfico através de boas parcerias com Pedros Luís, gravadas naquele ano por Verônica Sabino (Rosa que me Encanta) e pelo próprio parceiro (Rap do Real, tema vivaz que inspirou o título do segundo álbum de Pedro Luís e a Parede, É Tudo Um Real). No ano seguinte, Baile da Pesada - parceria com Fernanda Abreu, gravada pela Garota Sangue Bom no álbum Entidade Urbana - repôs Maranhão no circuito do funk carioca. Rota seguida pelo compositor no comando da miscigenada Bangalafumenga, banda-sensação da cena indie do Rio de Janeiro (RJ) nos anos 90. Mas foi somente em 2005, quando Maria Rita pôs sua voz no Caminho das Águas ao fazer o disco Segundo, que Maranhão começou de fato a ser notado como compositor por público mais amplos. Gravado também por Roberta Sá, o autor carioca - cuja ascendência vem do Rio Grande do Norte - teve então a chance de tecer Bordado, seu primeiro CD solo, editado em 2007. A costura do repertório inspirado chamou atenção, ainda que várias músicas já tivessem sido gravadas por intérpretes com maior domínio vocal. Três anos depois, Passageiro - o sublime segundo disco solo de Maranhão - contradiz seu título e confirma que o artista veio para ficar, com lugar garantido no primeiro time de compositores de sua geração.

Desta vez, tudo é novo. E tudo soa novo. Sob a batuta minimalista do produtor Zé Nogueira, Maranhão lança estupendo e inédito repertório autoral, situado entre o samba urbano e os ritmos do interior nordestino. Entre o sertão e o mar exposto na capa, muso inspirador do Samba pra Vadiar que evoca o universo praieiro de Dorival Caymmi (1914 - 2008). Hábil na costura artesanal desse cancioneiro inédito, Nogueira consegue a proeza de disfarçar os limites vocais de Maranhão. Mesmo miúda, a voz alcança todas as intenções poéticas de temas como o onírico baião Sonho, a toada Três Marias - que transita em trilho pavimentado pelo violão de Maranhão e pela percussão sutil de Marçal - e o xote Maria Sem Vergonha, embasado pelo delicado arsenal percussivo de Marcos Suzano. Passageiro, a propósito, foi todo bordado no tempo da delicadeza, irmanando samba feito (quase) à moda tradicional do morro (Um Samba pra Ela), canção de amor ao estilo camerístico (De Mares e Marias, embalada pelo piano de Leandro Braga e por cordas regidas pelo próprio pianista) e tema inspirado pelo mais universal dos ritmos portugueses (Quase um Fado - faixa na qual figura a pungente voz lusitana de António Zambujo). As ousadias estilísticas do compositor - como a subversão do conceito de suingue no Samba Quadrado - atestam que Maranhão está em nítida evolução como compositor. O repertório de Bordado, já de alto nível, é superado pela safra de inéditas de Passageiro. O disco em si é obra-prima que embute pequenas obras-primas como a já citada toada Três Marias, a Valsa Lisérgica - composta com Pedro Luís, parceiro da única faixa não assinada somente por Maranhão - e a canção que dá nome ao álbum e o encerra em tom sublime, com a rabeca cortante de Siba remetendo ao universo da embolada. Completam o repertório Camaleão e Fogo no Paiol, samba capaz de incendiar um bloco. Enfim, um disco irretocável, bordado com poesia tão minimalista e elegante quanto a acústica arquitetura dos arranjos. Sem ter a pretensão de soar muderno, Rodrigo Maranhão já começa a se insinuar compositor eterno no cancioneiro popular brasileiro. Passageiro refina obra já perene.

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