RIO - Numa primeira audição, faixas como "Minha vida toda com você", "Mensalidade", "Pé na jaca" e "Bel prazer" podem remeter ao Ed Motta inicial, da fase de "Manuel", com o Conexão Japeri, ou mesmo a seus álbuns mais dançantes, "Manual prático para festas, bailes e afins" (1997) e "As segundas intenções do 'Manual prático'" (2000). Nesse sentido, "Piquenique", seu décimo disco de estúdio, que a gravadora Trama lança na semana que vem, é um retorno ao básico, ainda mais se comparado aos altos voos jazzísticos de "Dwitza" (2002) e "Aystelum" (2005) ou mesmo ao mergulho no idioma do pop-rock de "Chapter 9", com todas as letras em inglês, editado no ano passado.
Aproveitando a deixa do título, será que o gourmand estaria agora trocando a sofisticação de um jantar à luz de velas por um bem mais prosaico piquenique? Sim e não. Em se tratando de Ed Motta, o mais talentoso cantor, compositor, instrumentista e produtor de sua geração, nada é tão simples assim. Mesmo que entre suas 12 faixas encontremos muito, e bom, material radiofônico, com munição para levantar qualquer pista de dança, seus acepipes sonoros têm as mãos, o cérebro e a sensibilidade de um cordon-bleu.
Velhas referências à parte, "Piquenique" também apresenta novidades e curiosidades. Onze das 12 músicas inauguram a parceria de Ed com Edna Lopes, com quem ele é casado há 18 anos, também a artista gráfica que, mais uma vez, assinar a capa do disco. A única exceção é "Nefertiti", esta com letra de Rita Lee, com Ed retomando a parceria que já tinha rendido duas ótimas canções, "Fora da lei" e "Colombina" - ambas, na linha "rockarnavalesca" que também marca o auge da produção de Rita e Roberto de Carvalho. A letra de Rita é rica em imagens poéticas inusitadas: "O Universo conspirou/ a favor do amor/ e de nós dois/ Anjo cupido querubim/ Cinderela na torre de marfim/ A fitinha do Senhor do Bonfim/ enrolada em mim / She's my dream team/ Rosa deusa do meu jardim / Esmeralda, eterna gypsy queen/ Iemanjá num manto de cetim...".
Nível de interesse mantido nas letras assinadas por Edna e Motta, algumas trazendo referências às paixões do cantor por HQ e cinema noir. É o caso de "Nicole versus Cheng" ("No trem/ Nicole escondeu a valise marrom/ Correu /Do agente de Cheng disfarçado no trem/ Fugiu /Da emboscada arquitetada por Cheng...") ou de "O mestre e o aprendiz" ("Na subida do monte/ O mestre preparou/ Um chá que aliviava a dor/ Que alucina a mente").
Já "A Turma da Pilantragem", gravada em dueto com Maria Rita, é uma ode ao gênero musical que, no fim dos anos 1960, teve Wilson Simonal como seu rei e o polêmico Carlos Imperial como ideólogo: "Essa pilantragem que/ Eu quero com você/ Eu tô com vontade de/ fazer pra te prender/ Você puxa o meu cordão e / 'vamo vê o que dá'/Já que é pra mostrar/ deixa eu tirar/ o filtro solar/ Quero passar/ Isso é uma massagem que eu/ faço em você/ É muito gostoso mas/ ninguém pode saber".
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