quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Na linha de frente do samba

23/09/09 - Gazeta do Povo

Roberta Sá conquistou o posto de uma das melhores cantoras da nova geração dispensando a facilidade dos atalhos. Saiu do reality show Fama decidida a terminar a faculdade de Jornalismo, em vez de explorar a visibilidade momentânea em rede nacional. Abriu mão, outra vez, de capitalizar o sucesso da novela Celebridade, em que cantava “A Vizinha do Lado”, de Dorival Cay­­mmi, adiantando o lançamento de seu primeiro disco. Pre­­feriu esperar que o trabalho amadurecesse.

A potiguar se orgulha dessa falta de pressa. Sua palavra de ordem é “qualidade”, como deixou claro na entrevista concedida à Gazeta do Povo, em um apartamento do Jardim Botânico, bairro onde mora no Rio de Janeiro. Não é só discurso. A virtude está nítida tanto em seus dois discos quanto nos mais novos trabalhos, o CD e o DVD Pra se Ter Alegria, com os quais celebra um início de carreira florescente – acompanhado com entusiasmo pela crítica especializada e um público cada vez maior.

Criada na zona sul carioca desde os 9 anos, Roberta se aproximou da Lapa atraída pela boemia sambista, e se deixou contaminar. Em Braseiro, seu álbum de estréia, chamou atenção como intérprete de agudos afinados e um fraseado seguro, respaldada por parceiros como Pedro Luís (seu marido) e Ney Matogrosso. Chegou para encorpar a onda de novas vozes que tem revitalizado a MPB nos últimos anos.

Foi, porém, com o segundo disco, o inspirado Que Belo Estranho Dia pra Se Ter Alegria, que a cantora se impôs. Passou – de uma entre as novidades – à linha de frente da sua geração. Nesse caso, o frescor do repertório fez toda a diferença. Roberta, como outrora Elis Regina, a Maria Bethânia que lhe serve de modelo maior, ou sua contemporânea Maria Rita, tem se esmerado na garimpagem de compositores contemporâneos. Descobriu pérolas, como “Belo Estranho Dia de Amanhã”, do pernambucano Lula Queiroga. Com letra inteligente e atual, sobretudo “alegre”, a canção norteou aquele disco e ainda dá o tom ao DVD.

No show registrado no Vivo Rio, em abril, a cantora revisita seus dois álbuns, deixando de fora muito pouca coisa. Servida por bons instrumentistas em sua banda, ela percorre canções como “Mais Alguém”, “Samba de Amor e Ódio” e “Casa Pré-Fabricada”, e acrescenta uma inédita, “Agora Sim”, parceria sua com Pedro Luís e Carlos Rennó.

O conjunto de canções ganha força pois Roberta se cerca de colegas talentosos. Com Hamilton de Holanda, cria um belo duo de voz e bandolim para “Novo Amor”. Pedro Luís aparece nos vocais e no cavaquinho do samba de roda “Girando na Renda”. Para encerrar o show, surge Marcelo D2, com quem canta “Samba do Balanço”.

Mas tem mais. A moça entrou em estúdio, em junho, acompanhada de alguns dos artistas que mais respeita para gravar os Encontros. A seção, embora curta, sozinha já vale o DVD – e vem disponível para download no CD. Entre trocas de olhares de admiração mútua, ela entoa “Mam­­bem­­be” com Chico Buarque. Os dramas de “Peito Vazio” (Cartola), di­­vide com Ney Matogrosso e o Trio Madeira Brasil.

O amigo Yamandú Costa, exímio violonista gaúcho, participa de duas. Uma é “Modinha”, de Tom e Vinícius. A outra, um belo fado, “Eu Já Não Sei”, que Roberta canta com o português António Zambujo. “Ele faz com o fado um pouco o que o João Gilberto fez com o samba. Canta de uma forma suave”, diz ela.

Suave como a própria cantora de gestos delicados e trajes femininos, iludindo fragilidade. Não enganam. Roberta sabe o que quer e tem competência e determinação para conseguir, sem perder o charme. Sorte da música brasileira.

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