sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Cara nova de bamba

Guia da Semana

Além de ser o cenário de paisagens estonteantes, o Rio de Janeiro é conhecido como o berço do samba. Grandes pontos como Lapa e Tijuca fazem com que quem saia de lá leve consigo todo o gingado e malemolência da terra de Cartola e Dona Ivone Lara. Assim aconteceu com uma das mais novas promessas do samba, Aline Calixto. Depois de vencer o Novos Bambas do Velho Samba, um dos concursos cariocas mais tradicionais do estilo, a cantora vem soltando a voz Brasil a fora e traz sua cadência a cada verso embalado pelo cavaco.

Depois de viver anos em Belo Horizonte e levar o ritmo através de rodas informais para o cenário noturno da região, a jovem lança seu primeiro álbum homônimo e promete força total no projeto. Contando com participações de grandes sambistas como Monarco, Nelson Sargento e Wilson Moreira no CD, resgata influências do ritmo e apresenta a nova cara do cenário. Pegando carona na turnê de Aline, o Guia da Semana bateu um papo sobre a presença de mulheres nas rodas samba, o atual cenário musical e influências. Confira!

Guia da Semana: Quando você se interessou pelo samba?
Aline Calixto - Eu ouço muita música desde muito pequena, mas o samba sempre falou um pouco mais alto. Acho que pelo ritmo, pelos batuques, me identifico muito com essa coisa percussiva. Sempre ouvi muito Cartola, Beth Carvalho. A velha guarda sempre esteve no meu rádio, desde criança.

Guia da Semana: Como foi para você, sendo carioca, levantar a bandeira do samba em Belo Horizonte, onde viveu parte de sua vida?
Aline - Saí do Rio com 6 anos e fui morar em BH e fiz faculdade de Geografia em Viçosa, uma cidade na zona da mata de Minas. A cena noturna de lá era muito focada em reggae e rock, não tinha samba e eu sentia falta disso. Junto com alguns amigos comecei a desenvolver um projeto. Fazíamos uma roda de samba toda quinta-feira e isso tomou uma forma tão grande, foi um movimento que cresceu tanto, que fechava as ruas e até hoje continua rolando. Isso é muito gratificante para mim. A ideia foi plantada lá.

Guia da Semana: Você já enfrentou algum tipo de preconceito por ser uma cantora de samba?
Aline - Até hoje não. Sempre fui muito bem recebida por onde passei, mas eu já reparei que a presença feminina nas rodas de samba é menor. Mas eu acho que isso está se revertendo e aos poucos irá mudar. A mulher está cada vez mais presente em tudo na música. Não somente como cantora, também como compositora. Acho isso importante, ganhar o espaço e se entregar totalmente. As grandes precursoras Beth Carvalho, Dona Ivone Lara, Leci Brandão, Alcione, abriram essa linha de frente e precisamos continuar.

Guia da Semana: Como foi o processo de escolha das canções do seu CD?
Aline - Quis unir o antigo ao novo. Esse álbum vinha sendo desenhado desde 2003, ainda em Viçosa. A música que abre o CD Original recebi de um pessoal de lá. A Rainha das Águas peguei pela Internet de uns amigos que conheci através do Orkut. Eles têm uma comunidade de samba no triângulo mineiro que muita gente não conhece e me deram essa canção. Outras, como Cara de Jiló, estão me surpreendendo muito, pois atingiram o público infantil. Achei uma gracinha. Estou feliz com esse trabalho. Também contei com parcerias muito bacanas em algumas canções como a do Renegado, um rapper mineiro que faz um trabalho muito bacana.

Guia da Semana: Como chegou ao nome do Renegado, já que são de estilos diferentes?
Aline - Nós já somos parceiros há tempos. Ele foi umas das primeiras pessoas que me recebeu em Belo Horizonte quando retornei de Viçosa e nós trocamos figurinhas. Participei do novo trabalho dele e ele fez a música Faz o Seguinte para mim. Ficou muito legal e faz um sucesso imenso essa mistura, é uma das mais cantadas no show. Ele dialoga com várias vertentes da música e isso é muito legal para o trabalho e acrescentou muito ao meu álbum.

Guia da Semana: Quais as suas principais influências na música?
Aline - Tem um pouco de tudo. Roberto Carlos, por exemplo, eu ouço desde que eu era bebê. Jorge Bem, Noriel Vilela que tenho um CD de cabeceira. Ouço muito Paulinho da Viola, dentro do samba, na minha opinião, é o cara. Ele consegue até hoje cantar e compor samba com a mesma propriedade de quando começou. Sempre escutei Monarco, Dona Ivone Lara, Beth Carvalho, Candea, Clara Nunes, Wilson Moreira, Ari Barosso e mais um monte de gente boa.

Guia da Semana: E nesse seu álbum de estreia você divide o vocal com alguns nomes que você comentou. Como foi cantar ao lado de pessoas da velha guarda como Monarco, Nelson Sargento e Wilson Moreira e Walter Alfaiate?
Aline - Não teve preço. Sempre tive o desejo de estar próximo deles e materializar isso em um CD onde todos estão juntos é inédito. Eles nunca haviam feito nada desse tipo. Consegui unir quatro grandes nomes do samba em uma só voz, que é o que a própria música diz. Foi bem emocionante pela humildade deles, me emocionou muito. Afinal, cantar com uma menina que está chegando agora, um samba composto por um compositor da nova geração, foi um grande achado. Eles culminaram de um sentimento de unirmos a nova e a velha guarda.

Guia da Semana: Vencer o concurso "Novos Bambas do Velho Samba" te trouxe prestigio?
Aline - Com certeza. Fiz uma temporada em uma casa tradicional do Rio, o Carioca da Gema, e lá eu pude mostrar meu trabalho, venci o concurso e fiquei por três meses. No último show, aconteceu um encontro de várias gravadoras e batemos uma bola mais direta com a Warner Music e rolou essa parceria.

Guia da Semana: Então foi o divisor de águas na sua carreira?
Aline - Acho que o grande divisor foi quando eu voltei de Viçosa e me apresentei pela primeira vez em Belo Horizonte, porque eu já cheguei com um show onde eu recebia Nelson Sargento, Monarca e Luiz Carlos Da vila. Aí sim foi uma divisão. Porque sair de uma roda de samba informal para subir em um palco com três grandes nomes da música brasileira foi para mim a grande arrancada.

Guia da Semana: Você toparia gravar ritmos diferentes em seus próximos álbuns?
Aline - A espinha dorsal desse meu trabalho está bem clara, é o samba e todas as suas vertentes. Eu não gosto de me rotular e dizer que só vou cantar isso minha vida toda. Nossa música é tão rica e tem tantos ritmos interessantes que eu não me fecho a nenhum tipo de oportunidade. Muito embora eu não nego que o samba sempre terá uma raiz forte nos meus trabalhos.

Guia da Semana: Você tem três letras no CD. Quais suas inspirações para compor?
Aline - Esse processo é muito louco. Eu não sei exatamente de onde vem isso. Eu não me preparo para compor, às vezes estou em lugares distintos e fazendo coisas totalmente normais e me dá um estalo com a música na cabeça. Um exemplo foi em Cara de Jiló. Eu estava em um elevador, indo para o médico e a melodia começou a se desenhar na minha cabeça. Eu peguei meu celular na hora e registrei. Ando sempre com papel e caneta ou o celular para não perder essas coisas.

Guia da Semana: Algumas cantoras como Maria Rita e Ana Carolina gravam sambas em seus trabalhos. Acha que isso é uma forma de deixá-los mais populares?
Aline - Acho que o trabalho delas já é bem popular. E a música brasileira tem esse viés, não só o samba. Gravar samba é um fato que a maioria das grandes cantoras nacionais fazem, porque tem muita ligação com a nossa identidade. Mais cedo ou mais tarde, mesmo quem não costuma cantar, uma hora ou outra coloca uma batucada lá no CD. É uma tendência desde sempre.

Guia da Semana: Quais os seus próximos projetos?
Aline - Por enquanto estou iniciando a turnê de lançamento do CD. O primeiro show foi em Belo Horizonte e teve uma ótima repercussão. Seguimos para o Rio e agora estamos a caminho de São Paulo e restante do Brasil. O bloco já está na rua e o importante é trazer a galera para curtir com a gente.

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