quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Carlos Rennó aproxima clássicos americanos à MPB

19/08/09 - Folha Ilustrada

Quando, em 1999, preparava os versos de "Canções, Versões" -álbum em que trazia para o nosso idioma temas clássicos dos compositores americanos George e Ira Gershwin e Cole Porter-, o letrista Carlos Rennó fez as seguintes contas: são necessárias, em média, 17 sílabas em português para traduzir um texto que, em inglês, consome apenas dez. Quase o dobro.
Uma década depois, Rennó volta a lidar com essa equação.

"Nego", que ele lança nos próximos dias, traz suas versões para "standards" americanos compostos por judeus: Richard Rodgers e Lorenz Hart, Irving Berlin, Harold Arlen, Jerome Kern e Oscar Hammerstein e, de novo, os irmãos Gershwin.

Sobre arranjos de Jacques Morelenbaum, as novas letras são apresentadas aqui nas vozes de Gal Costa, Moreno Veloso, João Bosco, Elba Ramalho e Dominguinhos, entre outros.

Verter da língua de Shakespeare para a de Camões também é -as contas de Rennó comprovam- resumir. E, se levarmos em conta que poesia já é uma forma sintética de linguagem, uma versão bem feita de uma grande letra de música pode ser considerada a síntese da síntese, a poesia da poesia.

Com um número generoso de achados poéticos, é isso que Rennó consegue em muitos dos mais de 60 minutos de "Nego".

O encarte bilingue confronta as duas letras, a original e sua respectiva versão, para quem quiser se divertir pescando cada um deles enquanto o disco toca.

Exemplos disso. Em "Mais Além do Arco-Íris", versão para "Over the Rainbow" (Harold Arlen e Ira Gershwin) trazida com doçura pela voz de Zélia Duncan, a longa frase "Where troubles melt like lemon drops" encolhe para "Problemas viram picolé".

"Encantada", letra em português para "Bewitched, Bothered and Bewildered" (Rodgers e Hart) -que aqui ganha interpretação especialmente sexy de Maria Rita-, troca os versos "I've seen a lot/ I mean a lot/ But now I'm like sweet seventeen a lot" pelos curtinhos "Vi demais/ Vivi demais/ Mas hoje eu já adolesci demais".

Mas todo caráter cerebral desse preciosismo técnico desaparece -e isso é outra qualidade do trabalho- quando as letras ganham corpo na voz dos cantores. Especialmente na dos cantores/compositores.

Erasmo Carlos, por exemplo, põe para fora em "Verão" ("Summertime") sua veia blueseira em registro vocal ultracool, quente e aveludado, como fez poucas vezes antes daqui.

Ou Seu Jorge, que nunca cantou tão bem na vida quanto em "Estranha Fruta" ("Strange Fruit"), em que dobra a voz em um grave profundo (para ele) e um agudo em falsete.

Surpresas como essas, que escapam a qualquer técnica, tornam "Nego" ainda mais saboroso. Mesmo para quem não está nem aí para rimas, métricas, aliterações...

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NEGO

Artista: vários
Gravadora: Biscoito Fino
Quanto: R$ 33,90
Avaliação: bom

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