quarta-feira, 17 de junho de 2009

(sub)versões


Tá bom, vou confessar: não sou muito afeito a versões. Partindo da premissa de que apenas as músicas realmente significativas deveriam ser dignas de tal honraria, que sentido existe, afinal, em recriar o que já foi tão bem feito? Por que razão profanar a delicada e intrínseca relação de uma obra com o intérprete que a consagrou se não para subverter por completo o sentido original?

Tenho a impressão de que, caso fosse lançado à popular categoria um olhar criterioso, nem uma a cada dez versões se salvaria. Seja para compilar sucessos de outrora em novos discos, alavancar carreiras nada promissoras ou até mesmo prestar justa homenagem, a verdade é que poucas são as vezes em que me deparo com uma releitura que considero de fato imprescindível.

Será que estou exagerando?

Receio que não. Nunca na história da música foram feitas tantas e tão ruins versões como agora! Em tempos em que nada se cria, tudo se copia, torna-se cada vez mais comum deparar-se com quem vislumbre atrair atenção através de fórmulas de comprovado êxito. O artifício tão utilizado – e aparentemente inofensivo – por vezes resulta em indesejado efeito colateral. Por mais que as tais versões, em sua maioria, não passem de arremedos, há de se considerar que uma montanha delas pode sim chegar a ofuscar o brilho das gravações oficiais.

Ou pior: num futuro não muito distante é provável que gerações vindouras se confundam ao tomar a parte pelo todo, ou seja, ao considerar as reproduções como registros definitivos. Claro que há quem prefira isto ao risco de que grandes canções de décadas passadas sucumbam ao esquecimento.

Este foi o caso de Marcos Valle; o cantor e compositor, de contribuições fundamentais para a segunda fase da bossa nova, amargou certo ostracismo em meados dos anos 80. O hiato se estendeu por quase dez anos, mais precisamente até que alguns DJs britânicos resolvessem adicionar beats eletrônicos a algumas de suas composições e tocá-las nas pistas de dança. O resultado da inusitada parceria rendeu a Valle a oportunidade de se reaproximar do público jovem, e serviu como trampolim para uma nova e bem sucedida etapa em sua trajetória profissional.

Exemplos como este, em que a versão propicia abordagem que acrescenta ao original, infelizmente contam-se nos dedos. Longe de mim ser purista, mas gosto de pensar que qualquer música sempre conecta-se com sua época de maneira muito singular e, por consequência, difícil de ser reproduzida ou explicitada em outro contexto.

O prazer de apreciá-las, para determinados ouvintes, consiste, portanto, na capacidade de se transportar para o momento em que foram criadas, e é justo isto que falta as releituras; este frescor, esta sensação de novidade e de ineditismo que vem junto com as notas nas gravações célebres. Ciente da raridade desta sintonia, o artista que se propõe a fazer uma versão só deve seguir adiante se encontrar na música em questão o que ainda mereça ser ressaltado.

Pelo menos esta foi a conduta que norteou todas as versões gravadas ou tocadas pelo Los Hermanos. Antes que me apontem o teto de vidro, prefiro eu mesmo citá-lo: minhas preferidas são Hollywood (Saltimbancos) , Esquadros (Adriana Calcanhotto), À palo Seco (Belchior) e Desce (Arnaldo Antunes). Das nossas, gravadas por outros, Veja bem meu bem (Maria Rita), Deixa o verão (Mariana Aydar) e Casa Pré-Fabricada (Roberta Sá).

E, como não poderia deixar de ser, para terminar, uma lista de 25 versões que não podem deixar de ser ouvidas:

Iron Man (Black Sabbath) – The Cardigans

Satisfaction (Rolling Stones) – Devo

You’re driving me crazy (Guy Lombardo & His Royal Canadians) – Chet Baker

Sampa (Caetano Veloso) – João Gilberto

The man who sold the world (David Bowie) – Nirvana

Fever (Little Willie John) – Madonna

Mora na filosofia (Monsueto Menezes, gravada por Helena de Lima) – Caetano Veloso

Encontros e despedidas (Milton Nascimento) – Maria Rita

Easy (The Commodores) – Faith no more

Ascender as velas (Zé Kéti, gravada por Nara Leão) – por ela mesma, em francês

Balada do Louco (Mutantes) – Ney Matogrosso

London, London (Caetano Veloso) – R.P.M

Vassourinha (Severino Araújo e Sua Orquestra Tabajaras) – Novos Baianos

She is my Shoo Shoo (Mutantes) – por eles mesmos

Smoke on the water (Deep Purple) – Señor Coconut

Carinhoso (Pixinguinha, gravada por Orlando Silva) – Maria Bethânia

Waters of march (Tom Jobim e Elis Regina) – David Byrne e Marisa Monte

Superstar (The Carpenters) – Sonic Youth

A flor e o espinho (Neslon Cavaquinho, gravada por Raul Moreno) – Elizeth Cardoso

I will survive (Gloria Gaynor) – Cake

Ciranda da Bailarina (Chico Buarque) – Adriana Partimpim

No rancho fundo (Lamartine Babo e Ary Barroso, gravado por Elisa Coelho) – Xitãozinho e Xororó

With a little help from my friends (The Beatles) – Joe Cocker

Live and let die (Paul Mc Cartney & Wings) – Guns n’ Roses

Maracatu Atômico (Jorge Mautner e Nelson Jacobina, gravada por Gilberto Gil) – Chico Science & Nação Zumbi

Que mais?

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