Fuçando nos "arquivos MR" achei uma entrevista que ela deu à Revista Época, bem no comecinho da carreira. Antes mesmo de lançar o primeiro cd!
Vale a pena ler de novo!
Entrevista: Maria Rita
No dia 8 de setembro de 2003, véspera de seu aniversário e do lançamento oficial de seu primeiro CD, Maria Rita deu entrevista à ÉPOCA no Copacabana Palace, no Rio de Janeiro. No intervalo entre uma foto e outra, brinca fazendo pose de moleca, mas na hora do clic opta pelas mais comportadas. Mas sem nunca abandonar o sorriso.
ÉPOCA – Por que um ano de shows antes de lançar o primeiro CD?
MR – Porque eu sentia necessidade de amadurecer como cantora, crescer artisticamente. Minha experiência de palco era coisa mínima. Era ter sido backing vocal de banda do meu irmão aos 13 anos! Não podia me lançar só com essa enganação! E esse um ano de shows foi também uma maneira produtiva de me familiarizar de novo com a música brasileira. Porque eu fiquei oito anos fora do Brasil. Dos 16 aos 24 anos.
ÉPOCA – E dos shows saiu a maior parte do repertório do CD?
MR – Seis ou sete músicas entraram no disco. O show é a base do disco e eu sei que isso foi importante para a maturidade sonora do disco. Foi um período de experimentação. A banda que tocava comigo no show tocou no CD. A única exceção foi a troca do baixo elétrico pelo acústico, que eu preferi.
ÉPOCA – E o resto das músicas do CD? Você recebeu muitas composições, muitas sugestões?
MR – Muito, mas muito mesmo. Para minha surpresa. E ainda bem. De compositores conhecidos e desconhecidos. E te digo que eu ouvi tudo. Tudo. O Marco da Costa, co-produtor do CD, que também é meu baterista, me ajudou. Não deixamos passar nada. Muita coisa boa.
ÉPOCA – E disso que foi até você, o que foi escolhido?
MR – Cláudio Lins, Renato Motha e, claro, o Marcelo Camelo, que tem três no CD. No período de pré-produção do disco, o Tom Capone (produtor do disco e diretor artístico da Warner), me mostrou o trabalho dele, quer dizer, do Los Hermanos, o Bloco do Eu Sozinho. Me apaixonei na hora! Das 14 músicas eu queria gravar 12! Ia ser um CD Maria Rita canta Marcelo Camelo!! (risos)
ÉPOCA – Pois faça isso um dia!
MR – Sim, sim! Se ele não se opuser, farei! Porque fiquei muito impressionada com as composições dele! Foi um desespero. Eu queria todas as músicas dele, cada dia me encantava com uma diferente. Nós resolvemos logo pela Veja Bem Meu Bem. Aí, no estúdio, o Camelo me levou duas inéditas. Maravilhosas. Só minhas! Então ficaram três. Mas era para ter mais, era para ter muito mais!
ÉPOCA – Foi difícil escolher as 13 do CD?
MR – Foi doloroso. Chegou um momento em que tínhamos uma lista de 18. Não dava para gravar um primeiro CD com 18 músicas. A escolha foi difícil. Num determinado ponto, a equipe sentou e começamos a cortar. Dava dó. Cada um escolhia uma para ser cortada e aí ninguém poderia contestar. Para você ter uma idéia, o presidente da gravadora não conseguia escolher qual tirar!
ÉPOCA – E aí surgiu a idéia das faixas na internet?
MR – Sim, duas faixas que você pode baixar. Idéia brilhante. Estrela Estrela, por exemplo, deixar de fora seria um crime hediondo.
ÉPOCA – Qual a primeira lembrança musical da sua vida?
MR – Não sei... Peraí! Show do meu pai com Placa Luminosa, eu sentada no fundo, uns 7 ou 8 anos... Escondidinha, porque o Juizado de Menores pegava mesmo. A gente ficava no camarim, aí quando apagavam as luzes, a gente ia lá para trás e assistia. Lembro muito que eu ficava contando as cadeiras dos teatros para ajudar a passar o tempo, enquanto meu pai ensaiava. Um palco com dançarinos de break misturado com música instrumental... Revolucionário, o trabalho do meu pai!
ÉPOCA – Houve um momento em que você acordou e disse: vou ser cantora?
MR – Posso dizer que foi um processo, mas teve esse dia, sim. Um momento em que eu estava na faculdade, um ano para me formar. Uma noite acordei num susto. Com a sensação de que tudo que eu estava fazendo até então não servia para nada. Isso foi em 1999. E olha como demorou até agora. Eu já sabia o que queria, mas queria a certeza de como fazer. Eu tinha achado meu caminho no mundo, que era a música, mas eu não queria achar que só poderia ser cantar. Então fiz estágio, coincidentemente na Warner, em Nova York. E ainda teve muita negação.
ÉPOCA – Negação por causa de a sua mãe ter sido uma das maiores cantoras do Brasil, se não a maior? Medo da comparação?
MR – Não é pouco, né? Maior cantora do Brasil... Mas não era só isso. Eu sempre soube que comparações aconteceriam. Mas existia uma cobrança desde que eu era muito nova: você tem que cantar, você tem que cantar!! E eu não sabia se esse "tem que cantar" era porque eu era realmente boa ou porque eu era filha de quem sou. Então, até que tudo isso ficasse definido dentro de mim, até eu ouvir minha própria voz – e aí não só voz de verdade, mas voz no sentido de ter meu lugar no mundo como mulher, como pessoa –, eu tinha receio de resolver ser cantora pelo motivo errado. E pensava: e se não der certo? Não só com o público, com a mídia. Mas não dar certo para mim, não ser feliz...
ÉPOCA – Qual a influência do seu pai e seu irmão antes dessa decisão e o quanto influenciam agora, decisão tomada, no rumo que você está dando a sua carreira?
MR – O mais importante, mais marcante que temos como uma família de gente do meio artístico, é a atitude do meu pai: liberdade de escolha total sempre. Se eu quisesse ser aeromoça, ele diria: vai! Já o Pedro, meu irmão, num determinado momento me colocou na parede. Me disse: "Olha, não te vejo feliz fazendo o que você está fazendo na sua vida. Eu tenho minha casa no Brasil, tenho minha produtora, minha carreira, te ajudo no que você quiser fazer. Vai cantar!!" Ele começou a ficar inquieto mesmo em relação a isso. E foi uma presença forte na minha decisão final. O melhor de tudo mesmo foi sentir que qualquer que fosse minha escolha, eu teria para onde ir, teria quem me apoiasse. E o silêncio do meu pai sempre foi fundamental. Para mim e pro Pedro também, tenho certeza.
ÉPOCA – Você toca algum instrumento?
MR – Toco a campainha!! Toco o rebu!! (risos). Só.
ÉPOCA – Mas escreve letras?
MR – Sempre gostei de escrever. Me formei em Comunicações e Estudos Latino-americanos. Escrever sempre foi uma forma forte de me expressar. Não descarto a possibilidade de tentar fazer umas letras um dia. Mas uma coisa de cada vez.
ÉPOCA – Como você definiria o seu CD?
MR – Difícil definir. Mas acho que dá para dizer que é o CD de apresentação de uma intérprete. Quando o Tom, produtor, me perguntou: "O que você quer do disco?", eu disse: "Quero me mostrar". Eu tinha de me mostrar intérprete. Meu elemento é a voz, a preocupação desse CD é mostrar como minha voz interpreta cada uma dessas músicas. Espero muito conseguir passar isso. E é também um CD bem eclético, talvez por causa disso.
ÉPOCA – Você gosta de rap?
MR – Adoro. Comecei a gostar nos Estados Unidos. Sempre tivemos influências negras americanas lá em casa, como Earth Wind and Fire, Quincy Jones, Michael Jackson. Daí para gostar do rap foi um pulo.
ÉPOCA – Mas você conhece os rappers nacionais?
MR – Pessoalmente, não. Mas musicalmente, sim. MV Bill e, em especial, o Mano Brown, dos Racionais. Ouço em casa bastante, tenho material deles. E foi uma das coisas que pensei em gravar, mas depois constatei que o primeiro disco deveria ser mais pé no chão. Piano, baixo acústico e bateria são a base do disco, tudo para a voz sobressair. Eu me preocupei em evitar elementos externos que pudessem poluir essa intenção.
ÉPOCA – Ao longo da sua vida, você ouviu muito os discos da sua mãe?
MR – Não.
ÉPOCA – Por que não?
MR – Não sei. Comecei a ouvir, mas pouco, aos 16, por aí, mais por curiosidade e para entender minha história, quem ela era, do que propriamente por uma apreciação musical. Infelizmente é o único meio que eu tenho que conhecer essa história, conhecer a minha mãe. Até porque ela não separava a vida pessoal do trabalho. Ela cantava muito o que ela sentia em cada momento. E hoje é uma forma de comunicação comigo. É uma bênção ter uma mãe que deixou esses registros.
ÉPOCA – Alguma música que ela gravou você cogitou colocar nesse CD ou já de antemão você descarta as músicas que ela cantou?
MR – Descarto. Mas não é um bloqueio, é uma decisão consciente, intencional, de não querer gravar nada que ela tenha gravado. Pelo menos agora, nesse primeiro momento da minha carreira. Quem sabe um dia, não sei, que dirá? A obra dela é... Nem dá para escolher um adjetivo... Todos os discos são obras-primas e para mim seria difícil. Na verdade, seria um medão fazer! Uma responsabilidade enorme.
ÉPOCA – Mas chegaram a te sugerir alguma?
MR – Não exatamente. O Tom, que é um cara mais ligado ao rock, chegou a aparecer com várias sugestões de músicas... "Olha essa!!..." E eu: "Minha mãe já gravou..." Ele: "E essa???" "Também já..." Ele: "Ah, tá... Mas essa mulher gravou tudo de bom, não é possível!!" Foi muito engraçado!...
ÉPOCA – Você se diz tímida no palco.
MR – Sou mesmo. Fecho muito os olhos por causa disso. E tiro os óculos para não ver ninguém!! (risos) Tenho hipermetropia no olho esquerdo e astigmatismo no direito. Eu era muito pequena e já usava óculos e tampão de um dos lados, era coisa grave. Lembro de um anúncio de lente de contato em que a menina falava: "Eu não nasci de óculos". E eu sempre brincava: "Eu nasci de óculos"!! Hoje é pouco, operei três vezes quando criança. E também não uso óculos no palco porque faço muita careta, suo muito, vai escorregando... aí é melhor sem eles. Mas não sou tímida só no palco, não, sou na vida também. Estou aprendendo a lidar, tenho de aprender, né?
ÉPOCA – Por que a Warner e não a Trama, que é a gravadora do seu irmão?
MR – Não assinei com a Trama porque a minha preocupação neste meu começo – esse primeiro momento que já parece tão comprido!! – era a busca da minha individualidade e da minha independência. Então, a partir do momento que eu escolhi fazer o primeiro show, minha primeira apresentação em público dividindo palco com outras pessoas, num lugar pequeno, coisa minha, não faria sentido, na hora de gravar, eu escolher a gravadora do meu irmão. Eu tenho que certeza de que em algum momento nós seríamos julgados por isso. A Warner foi a melhor casa para mim, que me manteve a liberdade de tocar o trabalho como eu queria, tanto que o CD foi uma espécie de continuação dos meus shows, foi tudo muito coerente, eu acho.
ÉPOCA – E está preparada para a fama?
MR – Não sei, porque não sei bem o que é, como é. E as previsões são as mais tenebrosas! (risos) Me dizem que eu vou ter de esperar apagar a luz do cinema para entrar no filme! Não vou poder andar na rua normalmente... Ah.. será? Tanto assim? Mas em 90% do tempo estou tranqüila. Nos outros 10%, me permito dar uma panicada!
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