quinta-feira, 27 de março de 2014

MÚSICA - O samba pedindo passagem

O Tempo  PUBLICADO EM 26/03/14 - 03h00 LUDMILA AZEVEDO

Em “Coração a Batucar”, Maria Rita apresenta um repertório rico, com composições de bambas de várias gerações.


Além da afinação. Todas as escolhas de “Coração a Batucar” são da cantora, que, pela primeira vez, assina a produção de seu disco


Na faixa “No Mistério do Samba”, que Joyce Moreno compôs especialmente para que ela gravasse, Maria Rita canta numa cadência festiva: “Nasci pela graça de Deus/ Num país que tem samba/ E o samba/ É o grande presente que a vida me ofereceu”. No caso da artista, além da geografia, existe o DNA.

Tudo no fresquíssimo “Coração a Batucar” diz muito sobre a formação ímpar de Maria Rita (filha da cantora Elis Regina e do músico, arranjador e maestro César Camargo Mariano), mas são as escolhas dela que predominam nas 13 faixas, além da assinatura de qualidade que vem desde sua estreia em 2003.

“Não se trata de um projeto, não acordei e decidi gravar mais um disco dedicado ao samba (em 2007, lançou ‘Samba Meu’, que ganhou projeção internacional). O que aconteceu é que depois da última turnê (‘Redescobrir’, em homenagem à mãe) me bateu uma ausência, uma melancolia e uma saudade louca. Eu tenho uma relação íntima, genuína, espontânea e de longa data com o samba”, conta.

Então, o batuque encontrou a cantora em setembro de 2013, no palco do Rock in Rio, quando fez um tributo a Gonzaguinha, ao lado de Davi Morais (guitarra) e Alberto Continentino (baixo), que tocam também no novo álbum – Wallace Santos (bateria), Rannieri Oliveira (teclados), Marcelinho Moreira e André Siqueira (percussão) completam o time. “Foi mais do que uma oportunidade, foi uma necessidade que veio à tona”, revela. Simples assim.

Em novembro, Maria Rita entrou no estúdio para conceber o novo trabalho que reproduz o formato da roda de terreiro, com um frescor de parceiros que possuem formações que passam pelo jazz, MPB e, evidentemente, o samba. “A ousadia é importante para o meu trabalho. Eu entraria em pânico se me sentisse engessada. Por isso, é um disco feito com muito respeito, carinho e paixão por músicos com um extensa bagagem, e o Jotinha (o conceituado arranjador Jota Moraes, diretor musical do trabalho) se colocou muito à disposição das sugestões em todo o processo. Não deixamos a tradição de lado, mas buscamos esse frescor”, lembra.

Assinatura. A produção de “Coração a Batucar” é de Maria Rita, pela primeira vez. “Eu sempre assinei a coprodução dos meus discos. Embora eu tivesse uma boa relação, de confiança mesmo com a minha antiga gravadora (Warner), havia uma questão contratual que previa a figura do produtor. Só que eu sempre me envolvi bastante com a ordem das faixas, a mixagem, a masterização, a parte gráfica. Eu sou a responsável pela direção dos meus DVDs, sou centralizadora nesse sentido, e agora chegou o momento (de produzir), além do mais, a minha intimidade com o samba permitiu essa segurança”, afirma.

O exercício de imaginar a artista que nem pensava em ser cantora acompanhando o trabalho do pai é inevitável. Por mais que seja de uma geração mais “faça você mesmo”, algo de “ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais” está na unidade incrível de sambas compostos por nomes tão distintos.

“Olha, se você estivesse aqui veria que fiquei toda arrepiada. A associação ao meu pai que você faz é muito feliz. Fui criada por ele, toda a minha integridade artística vem das lições que ele me deu. Acompanhei muito a rotina dos músicos, e ele sempre fez questão de mostrar que é um trabalho árduo nosso ofício e ganha pão. Eu sei que a minha mãe é muito viva na memória das pessoas, mas não tivemos tanto convívio”, diz.

A Elis caberia, quem sabe, a delicada menção feita em “Mainha me Ensinou”, de Arlindo Cruz e Xande de Pilares. Mas a artista admite que suas escolhas habitam territórios bastante subjetivos. “Eu fui ouvindo as músicas, me deixando levar. No meu dia a dia sou bem virginiana, mas quando bate na música, meu ascendente peixes, intuitivo e sonhador, é quem decide porque é preciso mexer comigo, tocar na minha história”, explica.

Maria Rita foi presenteada com um conjunto substancial de composições. “Eu me senti feliz e muito honrada com as canções. O Serginho Meriti veio com ‘Abre o Peito e Chora’, o Noca da Portela me ofereceu ‘Vai, Meu Samba’, feita por ele há 30 anos e ainda inédita, teve a Joyce Moreno que fez músicas para a minha mãe gravar, o Arlindo Cruz e o Fred Camacho. Novos artistas me procuraram porque queriam a minha voz em suas obras. É algo que fica eternizado. Não quero parecer cafona, porém são conquistas sem tamanho”, avalia.

Alternando climas, Maria Rita fez questão de deixar nesse registro algumas imperfeições inerentes ao jeito “quase ao vivo”. A espontaneidade guia “Coração a Batucar” e não é um contra-senso uma das vozes mais afinadas do Brasil querer justamente vacilar um pouquinho aqui, outro acolá. Essa é a chance apenas de entrar na roda e cantar junto.

Para ouvir

“Coração a Batucar” (Universal Music) está disponível na iTunes Store (http://itunes.apple.com/br/store) por US$ 9,99.

O disco também tem pré-venda na internet por R$ 23,90

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