quinta-feira, 1 de abril de 2010

Ivan Lins encerra temporada de 'jam sessions' no Rio

31/03/10 - G1

Ivan Lins comemora 40 anos de carreira em 2010. Quer dizer, não exatamente. "Não farei nada em especial. Você vai ficando fica mais velho e passa a querer celebrações mais íntimas", justificou. Ainda assim, o cantor e compositor compartilha o momento especial com o público durante os shows que tem realizado todas as quartas-feiras de março no Espaço Blu Music, na Barra da Tijuca, Zona Oeste da cidade.

"É muito intimista, não tem roteiro definido. Monto o repertório na hora, de acordo com as coisas que vão passando pela minha cabeça, mas deixo um espaço bem aberto para a plateia pedir alguma coisa. Gosto de interagir com o público, conversar", diz Ivan, que faz nesta quarta (30) a última "jam session" da temporada carioca.

E se não festeja suas quatro décadas de vida artística, Ivan vibra com a nova geração de músicos brasileiros que, segundo ele, "tem ido por um caminho muito bom, muito eclético". E, ao contrário de alguns de sua geração, exalta a internet como fator fundamental para o sucesso de gente como Maria Gadú, Céu e Mariana Aydar, entre outros.

"Esse é um lado muito positivo da internet. Estão todos ali trocando ideias e se comunicando", afirmou.

Em maio, o cantor lança "Íntimo", seu 39º álbum. " Foi gravado na Holanda, e terá a minha banda juntamente com uma orquestra holandesa de cordas. Canto músicas inéditas com alguns convidados, entre eles o grupo vocal Take 6 e a cantora Jane Monheit".

Em entrevista exclusiva ao G1, Ivan Lins falou sobre seu processo criativo, suas origens artísticas, a tentativa de administrar a própria gravadora e os rumos da indústria fonográfica na era do mp3.

G1 — Como é novo show?
Ivan Lins —
Muito intimista, não tem roteiro definido. Monto o repertório na hora, de acordo com as coisas que vão passando pela minha cabeça, mas deixo um espaço bem aberto para a plateia pedir alguma coisa. Gosto de interagir com o público, conversar. Mudo o roteiro na hora, e a banda tem que me seguir. Muitas vezes eles se atrapalham, outras não. Mas faz parte do jogo. Adoro essa imprevisibilidade. É como na vida: é um risco. A música é meu esporte radical (risos). É onde arrisco e vivo meus momentos de emoção. Gosto muito de improviso, meus shows nunca se repetem. Acho que tem que ser assim.

G1 — Há muitas passagens instrumentais e improvisos.
Ivan —
Quando comecei a fazer minhas turnês internacionais, os shows eram canalizados para um público de jazz. Então os solos começaram a aparecer muito na minha música. Mas, na verdade, acho que meus shows sempre tiveram isso. Porque, antes de mais nada, sou um músico. Minha origem vem do jazz e da bossa nova. Quando comecei a tocar piano, nem cantava. Era um pianista instrumental. Acompanhava cantores, solava... Nunca consegui me desligar totalmente disso. Também gosto que os músicos participem dos meus shows.

G1 — Você está completando 40 anos de carreira. Como foi o início? Era uma época mais propícia à música?
Ivan —
Quando comecei, havia mais espaço, mais tempo e menos músicas. Assimilava melhor cada informação cultural, cada nova descoberta. Podia pesquisar, ir atrás destas novidades e saboreá-las. Hoje as pessoas não têm mais tempo para absorver a quantidade de informação que se recebe. E os veículos de comunicação se tornaram mais ágeis, mais rápidos. É um bombardeio.

Na época dos festivais, havia uma concorrência sadia entre os compositores. Quanto mais complicada a música, mais você agradava. A gente burilava demais as canções. Hoje não é mais assim. Tínhamos mais acesso aos veículos de comunicação, as portas eram mais abertas. Música boa era mais de 50% nas rádios. Hoje acho que não chega nem a 10%. Essa é a grande diferença para os tempos atuais. Por isso que a gente sente muita saudade.

Com o tempo, também fui me tornando um compositor popular, gostando muito do contato com o público e do retorno que ele me dá. Adoro fazer um sambinha e colocar o povo pra cantar. Mas também gosto de jazz, faço músicas instrumentais. Talvez minha meta para os próximos 5 ou 10 anos seja enveredar pela área erudita ou semierudita.

G1 — Como funcionam as parcerias no seu trabalho?
Ivan —
Tenho uma relação muito aberta e de confiança com os letristas. Quando eu tenho problemas, comunico na hora: “Olha, isso aqui não está casando comigo”. Converso muito com os letristas, peço pra trocar um verso, uma palavra. Há uma grande diferença entre você cantar um texto e contar um texto cantando. Essa foi uma lição que aprendi com Maria Bethânia e Elis Regina, duas grandes cantoras que têm um compromisso muito poderoso com a palavra.

G1 — Você fez um álbum inteiro homenageando Tom Jobim, toca canções de bossa nova em seu show. Qual exatamente sua relação com o movimento?
Ivan —
Sou um filho da bossa nova. Decidi tocar piano ouvindo Luizinho Eça, do Tamba Trio, num programa de TV. Pensei: “Quero fazer isso daí”. Eu era um cara completamente indeciso em relação à escolha de um instrumento. Era um grande ouvinte, colecionador fanático de discos. Comprava álbuns de big bands, jazz, bossa nova. E em dois anos eu já tava tocando. Aprendi de ouvido, enchi o saco da minha família. Eram oito horas por dia, quase enlouqueceram. Os vizinhos queriam mandar cimentar o meu piano. Mas deu certo (risos).

Quando comecei a compor, as primeiras influências foram Carlinhos Lyra, minha primeira grande paixão musical, e o Tom. Ao conhecer sua obra, fui abrindo a cabeça. Depois veio o Milton, que já era uma fase pós-bossa nova e, digamos, o terceiro grande elo. Aliás, Edu Lobo também. E Dori Caymmi. Eles basicamente determinaram minha formação harmônica. Já tinha a experiência do jazz, e ali misturei um monte de coisas. Sou químico formado. Então o meu negócio é misturar as coisas (risos).

Aí veio o rock pianístico americano, que também me pegou: Elton John, Ray Charles, Stevie Wonder, Leon Russel. Eles tocavam piano e ainda cantavam. Achava que piano não tinha nada a ver com rock. De repente, vi que tinha. Achei aquilo tudo fascinante.

G1 — Existe algo te chame mais atenção dentro da sua própria obra?
Ivan —
Gosto muito da minha música. Acho que fiz coisas muito bonitas. Assim como tem coisas que eu definitivamente não gosto. Às vezes, eu erro. E erro feio. No geral, diria que gosto muito de uns 85% da minha obra. E me surpreendo pela minha própria forma de compor. Tenho períodos de voracidade. Componho e já me vejo cantando para as pessoas numa plateia que tem a minha cara. São todos iguais a mim, um monte de Ivanzinhos (risos). Às vezes, só saem pedaços. E guardo para depois. Componho muito em fita K-7 até hoje. Depois, passam uns meses e começo a ouvir tudo de novo. E digo: “Pôxa, eu não compus isso. Não é possível. De onde veio isso?” Muitas vezes revejo as coisas que faço, o porquê de uma música não ter feito sucesso ou um disco não ter vendido. E aí começo a achar que, por causa disso, as obras eram ruins. No fim, vejo que não tem nada a ver.

G1 — O que aconteceu com a Velas, sua gravadora com Vitor Martins?
Ivan —
Tivemos problemas financeiros. E ainda levamos uma volta de um contador que não pagou nossos impostos durante um ano. Ele falsificou guias. Aí o governo veio em cima da gente, e caímos na mão dos bancos. Quando isso acontece, principalmente com uma dívida daquelas, é difícil de recuperar. E você acaba tendo que negociar muito com as pessoas da sua classe, que são seus companheiros, seus colegas. Ficamos numa posição muito desagradável. Dizia que só poderia pagar depois. Isso é horrível. E eu, sendo dono de gravadora, passei a ser o patrão dos meus colegas. Aquilo me deixava muito mal. Mal consigo ser patrão dos meus músicos, que dirá do Lenine, do Chico César... Eu sou tão igual a eles, me sinto tão no mesmo nível, que ficava muito difícil. Aí eu saí. Estava me sentindo marginalizado. O Vitor ficou sozinho, muito triste. Depois, com o tempo, a gente se reencontrou, limpou a área. Hoje estamos compondo juntos de novo.

G1 — Que novos compositores e músicos brasileiros você destacaria atualmente?
Ivan —
Tem muita gente fazendo muita coisa boa. Essa juventude de hoje se utiliza de outros parâmetros para se relacionar com música. São adquiridos em veículos diferentes, de formas diferentes, numa velocidade diferente. Eu acho que essa juventude tem ido por um caminho muito bom, muito eclético, com diferentes informações e sonoridades. E estão experimentando. Apesar da música não estar numa fase comercialmente boa, vive uma efervescência criativa muito grande. Estou muito entusiasmado com isso. Tenho ajudado essa garotada, começando pelo Daniel Gonzaga, filho do Gonzaguinha. É como se fossem meus afilhados Tenho alguns deles em São Paulo também, como o Pedro Alterio e o Luiz Ribeiro. Eles têm grupo maravilhoso chamado Cinco a Seco, formado por filhos de outros músicos.

Além deles, tem as cantoras Verônica Ferrriane, Sáloa Farah, Céu, Maria Gadú, Mariana Aydar... A vontade que tenho é de abraçá-las eles e protegê-las, pois estão arriscando muito. A Maria Rita, por exemplo, faz um trabalho voltado pra geração dela, como a mãe fez. Acho lindo. Ela experimenta tanto quanto a Elis na época dela. É justo que esteja conectada mais sentimentalmente e espiritualmente com a própria geração. Nada mais justo que descubra os grandes compositores de seu tempo. Essas meninas estão fazendo a mesma coisa, estão muito conectadas com a geração delas, que é também experimentadora.

Isso está tornando o Brasil muito bonito musicalmente. Evidentemente que, para chegar ao grande público através dos veículos comerciais, como o rádio e a TV, fica muito difícil. Mas eles estão todos na internet trocando ideias e se comunicando. Esse é o lado muito positivo da internet. Porque se criou um terceiro veículo. Mas a imprensa continua dando muita força. A imprensa escrita é o único local onde você ainda encontra reportagens sobre esses meninos. Estou com muita esperança, muito otimista. Cada dia eu vejo mais gente maravilhosa aparecendo.

G1 — Qual o seu legado para esta geração?
Ivan —
Acho que é mais uma referência para eles, um aprendizado. Digo isso porque eles vêm conversar comigo. Sou uma porta aberta pra essa geração toda. Toda vez que aparece alguém novo, recebo de braços abertos. E, na medida do possível, tento passar alguma coisa boa. Tenho reparado que as referências deles estão muito sobre a minha geração e a geração anterior. Por exemplo, muita gente escuta Guinga e é muito influenciado por ele. É maravilhoso, porque ele é um popular semierudito, é híbrido. Tem o João Bosco também.

G1 — Como é sua relação com a internet e a música digital?
Ivan —
Estamos vivendo uma fase de transição e de expectativa para ver pra onde a tecnologia ligada à música e à sobrevivência de quem produz música vai nos levar. Tenho absoluta certeza de que o aspecto ético vai acabar predominando. É um processo lento, tem que ser ensinado do início para as gerações que já nasceram com o hábito de baixar música de graça. Mas eles não têm culpa disso. Vão aprender com a idade e com o tempo a dar valor ao custo que isso merece ter. Vão entender que não se pode matar a pessoa que produz essa coisa que eles adoram. Não há como as pessoas viverem dando de graça a única coisa que têm pra vender.

E tenho absoluta certeza de que vamos achar um caminho onde as gravadoras não serão mais gravadoras, mas sim prestadoras de serviços, e vão oferecê-los de maneira diferenciada e acoplados às novas tecnologias e tendências dentro da internet. E isso vai afetar também o cinema e todas as formas de divulgação de arte. Depois, a própria sociedade vai chegar a um acordo ético e comportamental para que cada um possa continuar vivendo daquilo que produz. Mas a internet foi uma grande descoberta, uma coisa maravilhosa que vai nos dar muitas alegrias no sentido da sobrevivência.

G1 — Vai vir um novo disco por aí?
Ivan —
Sim, chama-se “Íntimo” e deve sair em maio. Foi gravado na Holanda, e terá a minha banda juntamente com uma orquestra holandesa de cordas. Canto músicas inéditas com alguns convidados. Ao mesmo tempo, será lançado no mundo hispânico o mesmo disco, só que em espanhol, e com a participação de artistas espanhóis. No disco em português terei o grupo vocal Take 6, a cantora Jane Monheit, o trompetista alemão Till Brönner, além de Jorge Drexler e Alejandro Sanz. Drexler escreveu a letra original de uma canção que fizemos em parceria. É um disco muito lírico.

Além disso, outras coisas vão vir por aí, como um projeto orquestral e um reality show para a internet. Mas este já é um segredo de estado, não posso falar sobre isso agora. Mas haverá um momento em que o Brasil e o mundo saberão do que se trata (risos).

G1 — Teremos alguma comemoração pelos 40 anos de carreira?
Ivan —
Não, nada em especial. Você vai ficando fica mais velho e passa a querer celebrações mais íntimas. Não sou uma pessoa de muito estardalhaço, sou muito contido. Não espalho coisas aos sete ventos, nem sou muito de falar o que ando fazendo. Vou comemorar, claro. De repente até pode acontecer alguma coisa bacana. Vamos ver.

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