terça-feira, 30 de março de 2010

“Fizemos muita coisa boa pela cultura do Rio", diz Jandira Feghali

27/03/10 - Jornal do Brasil

RIO DE JANEIRO - Na próxima quarta-feira, a secretária municipal de Cultura, Jandira , deixará o cargo para concorrer a uma vaga no Senado nas próximas eleições, em outubro. Ao longo de 15 meses no comando da pasta, ela avalia ter dado início a um processo fundamental na cultura: a construção “de memória”. Jandira reconhece que o Rio precisa “caminhar” culturalmente, mas garante que a cidade não deixa nada a dever às outras grandes metrópoles. A seguir, ela apresenta um balanço da gestão, mas com o cuidado de não falar de política. Por enquanto.

Ao longo de 15 meses, a senhora comandou uma das secretarias mais importantes da cidade. Deixa o cargo com a sensação de dever cumprido?

– Acima de tudo, estou feliz comigo mesma e com a minha equipe. No primeiro ano de governo você tem uma série de ideias, mas não consegue colocá-las em prática. Além de não dar tempo, a cultura não permite que você tenha prioridades. Não posso tratar bem do teatro e esquecer do cinema. Ainda temos uma demanda muito reprimida. Fizemos muita coisa boa, mas está bem distante do ideal para uma cidade com o porte do Rio de Janeiro.

O que a senhora acredita ter sido a tônica da sua gestão?

– Acho que fizemos uma administração de estruturação, um conceito considerado inexistente quando chegamos ao comando. Tudo que colocamos na rua, não retiramos. Um sonho nosso é ver a rua cheia, com o povo se manifestando culturalmente. A rua é do povo e da cultura.

O Viradão Cultural se transformou na principal marca do seu trabalho?

– Olha, eu acho que o Viradão Cultural é o ponto culminante do meu mandato. No entanto, é importante dizer que ao longo do ano nós mantivemos os projetos em funcionamento. Ano passado, tivemos dois grandes palcos e 48 horas de muita cultura para o povo da nossa cidade. Este ano, serão 54 horas.

A senhora planejou todo o Viradão Cultural de 2010, mas não estará mais no comando da pasta quando ele for realizado. Quais são as novidades neste ano?

– Não serei mais a secretária de Cultura, uma vez que a pasta já terá sido repassada para a Ana Luísa Lima. No entanto, estarei presente em muitos eventos do Viradão Cultural. Em 2010, em vez de dois palcos, serão seis, sendo um deles dentro da favela de Rio das Pedras, em Jacarepaguá (Zona Oeste). Os outros palcos estarão instalados na Praça Quinze, na Cinelândia, no Leme, em Santa Cruz e no Piscinão de Ramos. Tiramos um dos palcos de Bangu, como ocorreu ano passado, já que a Praça Guilherme Viana está em obra. Além disso, teremos outros palcos itinerantes, o teatro na praça, entre outros grandes eventos.

E as atrações?]

Serão muitas. O carioca terá a oportunidade de assistir de forma gratuita nomes de peso como Maria Rita, Ney Matogrosso, Martinho da Vila, Marcelo D2 e muitos outros. Este ano, temos ainda uma novidade. Abrimos inscrições para os grandes talentos locais participarem do Viradão Cultural. Eles terão a oportunidade de se apresentar no mesmo palco que seus ídolos.

No ano passado, foi grande a dificuldade para adaptar os eventos à oferta de transporte público. Muita gente deixou de aproveitar os shows por problemas de deslocamento. Este ano vai ser diferente?

– Infelizmente, não. A gente estudou a integração com o transporte público, mas não conseguiu avançar muito. Para os eventos, fechamos parcerias com a RioLuz, com a Polícia Militar, a Comlurb e outras instituições. Mas a questão do transporte só poderá mudar quando a base o transporte público da cidade também for alterada. Tentamos algumas alternativas, mas não é algo tão simples assim. No entanto, temos um evento mais amplo do que o de 2009. Com isso, teremos a possibilidade de dispersar mais o público. De repente, o cara da Zona Oeste que ano passado veio curtir um show na Praça Quinze, este ano fica por lá mesmo.

Haverá divisão por faixa etária neste Viradão?

– Em alguns pontos sim. Na Cinelândia, por exemplo, faremos uma programação voltada para a juventude. O palco sobre rodas vai girar, além de alguns palcos menores que serão levados para algumas favelas, uma vez que o espaço em comunidades é um pouco reduzido. É importante destacar que a diversidade cultural de cada um dos estilos será bem explorada.

Haverá apoio da iniciativa privada?

– A Firjan e o Centro Cultural Banco do Brasil aderiram ao projeto em 2010. Ainda estamos convidando outras instituições, no entanto, a marca do evento não se perderá em hipótese alguma: a gratuidade.

O Rio fica devendo algo em relação aos outros grandes pólos culturais existentes mundialmente, como Paris e Roma, por exemplo?

– A diferença da nossa cidade em relação ao restante do país é que o Rio é a face internacional do Brasil. Atualmente, em nível mundial, a cidade não deve absolutamente nada. A grande e principal diferença é que as outras capitais apostam mais nos orçamentos, ou seja, grandes cifras são disponibilizadas para os fins culturais. Outro ponto de destaque é a política de patrimônio. Nós deixamos a secretaria com esse dever de casa feito, ou seja, investimos nessa área da valorização dos próprios cariocas.

O que a senhora considera como seu “gol de placa” ao longo desses 15 meses?

– Não gosto de fazer análises de gestões anteriores, mas pegamos a pasta de Cultura com muitos problemas e inauguramos algumas diferenças que nos garantiram avanços. O primeiro e fundamental ponto foi a falta de memória nos projetos. Não existia qualquer memória. Agora, estamos fazendo arquivo filmado, digital e em papel de tudo o que foi feito ao longo da nossa gestão. Cada projeto tem uma memória para servir à sociedade, já que é dinheiro público. Encontramos a pasta sem memória e vamos deixar uma história viva daquilo que estamos fazendo. O segundo desafio foi superar o isolamento da nossa secretaria. Antes, a cultura não conversava com ninguém, nem de outros entes de patrocínios públicos, nem com outros níveis de governo. A Petrobras, por exemplo, que é forte na área de patrocínio cultural, nunca havia recebido nenhum representante da pasta. A terceira vitória foi a abertura do diálogo com a sociedade. Nós fizemos a primeira Conferência Municipal de Cultura, onde foi um processo de troca muito valioso. Podemos ouvir representantes da cidade inteira e implementar o Conselho Municipal de Cultura.

Sobre as bibliotecas, a senhora considera os equipamentos da cidade pouco atraentes, ou o carioca é que não tem grande interesse pela leitura?

– Um pouco das duas coisas. A leitura não é uma rotina do carioca, e as nossas bibliotecas não eram sedutoras. Fizemos programações intensas de bibliotecas para alcançar todas as idades, utilizando outras linguagens, como a da interpretação e do áudio visual. Biblioteca tem que ser um espaço onde você tenha o prazer de sentar com o seu namorado para saborear uma boa leitura.

Na última semana, o Jornal do Brasil publicou uma reportagem sobre as Casas Casadas, em Laranjeiras, onde os moradores do bairro fizeram um pedido de disponibilização de uma sala multiuso no local. Qual é o impasse dessa história?

– Bom, em primeiro lugar, gostaria de dizer que se a associação de moradores concedeu entrevista, eles estão um pouco na defensiva, uma vez que aquele prédio é um patrimônio, e está sendo cuidado por nós com um carinho enorme. Lá, funciona a sede da Rio Filme, então não existe abandono. É uma empresa séria. Não podemos deixar o local de qualquer jeito. Existem finanças e um contrato em vigor. Naquele local, existe um acervo de filmes brasileiros, antes, nós tínhamos uma cinemateca funcionando aberta ao público. Foram, inclusive, construídas salas coletivas para grupos entre 15 e 20 pessoas. Acontece que existe uma parte sob concessão, que foi feita pela secretaria de Fazenda, na gestão anterior. O Daniel Leite, vencedor da licitação, não conseguiu concluir o projeto dos cinemas, que seriam construídos por lá. Ainda oferecemos ajuda, mas a responsabilidade é dele. Efetivamente, eu preciso que a associação de moradores de Laranjeiras me apresente um projeto para a gente analisar a possibilidade de disponibilizar a sala. Não existe dificuldade nisso, apenas, não discuto com inverdades.

E o que dizer sobre a polêmica questão das lonas culturais (quatro foram fechadas pela atual gestão)?

– Quando nós chegamos, fomos fazer uma vistoria nas instalações e constatamos algumas delas em estado de calamidade pública. Por isso, fechamos quatro delas – Realengo, Anchieta, Maré e Guadalupe. Na época, fui muito criticada, mesmo depois de apresentar laudos da Defesa Civil Municipal apontando os riscos de incêndio e desabamento. Hoje, já estamos próximos de reabri-las, e o edital de licitação da lona da Pavuna já está na rua, com previsão de abertura dos envelopes no próximo dia 12 de abril. Uma das novidades é que fizemos contratos com empresas de conservação e manutenção para que elas trabalhem nas lonas, evitando assim que os locais voltem a enfrentar situações semelhantes a que encontramos. Creio que até 2012, a cidade terá 14 lonas culturais.

Como a senhora vê a inclusão da cultura nas salas de aula?

– De uma forma muito positiva, e, por isso, criamos no Rio um projeto que fez muito sucesso na Venezuela. Em parceria com as secretarias de Educação e Assistência Social, estamos implementando aulas de música clássica para 1.200 alunos entre 8 e 18 anos, com professores das orquestras Petrobras e Sinfônica Brasileira. Em breve, serão formados 21 núcleos.

Algum projeto especial para presentear o gênero mais carioca de todos, o samba?

– Claro. Saio, mas deixo um grande projeto que irá transformar o antigo prédio do Hotel Bragança, na Lapa, na Casa do Samba. O local ainda irá a leilão, já que é particular. Ali, teremos áreas de espetáculos e de memória, onda já fechei um contrato no valor de R$ 1 milhão com a Petrobras. O samba merecia este presente no ponto mais carioca da cidade. Vou ficar na torcida pela inauguração deste novo espaço.

Nenhum comentário:

Postar um comentário